Artistas refletem sobre o verdadeiro valor do dia da consciência negra
Desde 2011, a data foi oficializada como o Dia da Consciência Negra no País, em homenagem a Zumbi dos Palmares
"Sou preta o ano inteiro e artista o ano todinho. Essa consciência negra de vocês não tem que nascer só em novembro não", foi com esse desabafo numa rede social que a jovem poeta, escritora e rapper Bione alertou para um grave problema que vem lhe incomodando e que afeta muitos setores da nossa sociedade, incluindo o da cultura: o fato da atenção coletiva despertar para os negros nesse único mês.
Há 325 anos, no dia 20 de novembro de 1695, o mítico líder quilombola Zumbi dos Palmares foi assassinado por bandeirantes. Desde 2011, a data foi oficializada como o Dia da Consciência Negra no País, em homenagem aquele que é o símbolo da luta pela liberdade e valorização do povo negro brasileiro. Com o passar do tempo, todo o mês de novembro foi contagiado pelo espírito e legado de Zumbi como um período simbólico para refletirmos sobre a visibilidade e o orgulho da identidade negra.
Entretanto, vários artistas como Bione ressaltam para o esvaziamento do valor da data e reiteram a reflexão que ela pode causar. “A data é simbólica, obviamente que nada tira a importância de Palmares e da luta dessas pessoas que vieram antes de nós, mas é preciso que a gente trabalhe isso o ano inteiro”, disse a artista. Bione faz parte de uma nova geração de artistas engajados e conscientes que lutam por visibilidade e usam sua arte como instrumento de reflexão sobre as mazelas da nossa sociedade, como o racismo e o machismo.
Para a autora do livro “Furtiva”, apesar de ainda haver uma longa estrada para percorrer, o caminho por uma conscientização maior segue em desenvolvimento. “Eu acho que essa revolução está em curso, sempre vão haver conquistas. Se eu subo no palco do Coquetel Molotov como artista preta já é uma revolução, já tem alguém ali ouvindo a minha voz e entendendo como que é importante”, explicou. “Vai demorar, talvez, pra todo mundo entender o quanto é lógico a importância da Consciência Negra, mas essa revolução está em pleno curso”, disse a artista com a certeza de quem sabe o que fala, enquanto se prepara para lançar um álbum.
O músico Luiz Lins segue a mesma linha e considera que, muitas vezes, a data perde seu sentido original. “Meio que perde um pouco o valor, se não há um debate real sobre isso. Se não tem uma reflexão que leve a algo concreto. O dia da Consciência Negra vem, mas o Brasil não vai debater uma democracia racial, que é inexistente aqui.”, desabafou. O artista aponta que durante o ano são muitas as dificuldades em manter a carreira, com poucos trabalhos surgindo, espaços que não consegue ter acesso e falta de apoio.
Já a cantora e compositora Gabi da Pele Preta acredita que o grande valor da data é a compreensão que ela gera. “A grande sacada desse dia é justamente a retomada ou a tomada de se entender enquanto pessoa preta e entender o que isso representa do ponto de vista de ancestralidade, do ponto de vista de contribuição dos povos pretos para toda humanidade, como a música, a culinária, a criação do alfabeto, da arquitetura, enfim de todas essas coisas da nossa diversidade”, afirmou.
Uma oportunidade para repensar os valores da sociedade e pôr em prática a luta por um país mais justo e igual, é assim que o pianista Amaro Freitas entende esse dia. “Que esse dia não seja só um símbolo ou uma vaga lembrança, que o Brasil pague o dano causado e que aja reparação histórica com a enorme dívida que o país tem com os negros. Que esse dia não seja só um símbolo é sim uma prática diária de exercício contra o racismo”, concluiu.