Racismo

Carrefour terá que punir funcionário que praticar racismo, decide Justiça

A decisão foi tomada no contexto de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, que denuncia, além de racismo, outras práticas discriminatórias em estabelecimentos da rede

Carrefour de Porto Alegre - Guilherme Bittar/AFP

A Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro determinou, nesta segunda-feira (30), que o supermercado Atacadão, do grupo Carrefour, deve aplicar imediatamente sanções disciplinares efetivas a empregados que cometam qualquer discriminação contra colegas, como racismo.



A decisão foi tomada no contexto de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, que denuncia, além de racismo, outras práticas discriminatórias em estabelecimentos do Atacadão que foram ignoradas pelas chefias, como intolerância religiosa.

No último dia 19, o assassinato brutal de João Alberto Freitas em uma loja do Carrefour em Porto Alegre (RS) gerou uma série de protestos pelo país. O crime foi citado pela Justiça fluminense na decisão desta segunda-feira para sustentar que a prática discriminatória em estabelecimentos do grupo não se trata de um caso isolado.

Assinada pelo juiz José Dantas Diniz Neto, da 39ª Vara do Trabalho, a determinação vale para todo o território nacional. Ele também ordenou que, no prazo de noventa dias, o Atacadão deve estabelecer meio efetivo para receber e apurar denúncias sobre racismo por parte de seus empregados, garantindo o sigilo da identidade.

No mesmo prazo, o supermercado deve também instaurar uma política efetiva de combate à discriminação, promovendo campanha de conscientização. Se descumprir essas ordens, o Atacadão será obrigado a pagar multa de R$ 100.000, acrescida de R$ 50.000 para cada trabalhador vitimado.

Na ação civil pública, o Ministério Público cita o caso da auxiliar de cozinha Nataly Ventura da Silva, que denunciou ter sido vítima de racismo por parte de outro funcionário da empresa, chamado Jefferson Emanuel. Eles trabalhavam na unidade do Atacadão em Santa Cruz, zona oeste do Rio. Nataly posteriormente foi dispensada pela empresa, que alegou que ela gerava desavenças entre os colegas.

Com base no depoimento de outros empregados, a Justiça concluiu que a chefia tinha absoluta ciência das práticas discriminatórias e que não adotou qualquer medida punitiva contra os agentes. "Podemos citar que o sr. Jefferson Emanuel continuamente escrevia no avental a expressão 'só pra branco usar' e proferia falas como a que 'jamais casaria com uma preta', 'ainda bem que você é branca, pois se fosse negra não ia gostar' ou que 'preto só entra na igreja para chamar branco de irmão'. Alguns empregados também batiam panelas para simular o som de tambores, a fim de menosprezar os adeptos de religiões de matriz africana", escreveu o magistrado no despacho.

De acordo com o entendimento do juiz, o supermercado subestimou e considerou os atos discriminatórios como brincadeiras de mau gosto. "Considerado o período de prestação de serviços dos depoentes, não estamos diante de caso isolado, uma vez que as práticas perduraram no tempo e sob o beneplácito da chefia, conivente com a prática de crimes."
Na decisão, o juiz ressalta que o "descaso gerencial" da empresa não acontece somente no Rio de Janeiro, juntando notícias de jornais sobre violência contra negros em mercados do grupo Carrefour, como a que ocorreu contra João Alberto Freitas.

Na ação, o Ministério Público afirma que os fatos só mereceram apuração interna e passaram a ser considerados graves pela empresa quando a investigação teve início. "Qual foi a conduta da empresa? Punir a vítima e relevar as condutas do agressor até que o fatos passassem a ser investigados pelo MPT", diz a acusação.

O órgão ressalta que Jefferson também só foi demitido depois da instauração da investigação, ainda que suas práticas discriminatórias fossem um hábito conhecido pela chefia. O Ministério Público pediu ainda que Nataly fosse readmitida na mesma função e salário, em outra unidade da rede, o que não foi atendido pela Justiça.

OUTRO LADO

Procurado, o Carrefour afirmou em nota que a decisão da 39ª Vara do Trabalho impõe obrigações que já são cumpridas pela empresa e que são constantemente observadas. O texto diz que o grupo atua a partir de "políticas sérias de diversidade e repudia veementemente qualquer tipo de discriminação". "O Atacadão conta com um canal exclusivo para denúncias, que são tratadas com o máximo rigor como demandam questões de preconceito."