Saúde

Ações de prevenção do câncer de colo de útero estão em queda no país

Declaração de Fátima Bernardes sobre diagnóstico de câncer no útero jogou luz sobre saúde da mulher

Fátima Bernardes, apresentadora - Divulgação

O anúncio feito pela apresentadora Fátima Bernardes de que havia recebido diagnóstico de câncer de útero jogou luz sobre os tumores que podem acometer o órgão. A apresentadora não especificou qual tipo de tumor tem, mas há dois deles: o mais conhecido e comum câncer de colo de útero e o mais raro câncer no corpo do útero.
 
O segundo é identificado principalmente após a menopausa, mas pode atingir mulheres de todas as idades. Excluídos os tumores de pele não melanoma - que são muito mais frequentes e rapidamente tratáveis que todos os outros tipos e costumam ficar separados da estatística -, o câncer de útero é o oitavo tipo mais comum na população feminina, no Brasil, e o sexto no mundo. Segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer), a estimativa é de 6.540 casos novos no país em 2020. 
 
Em seu perfil de Instagram, a apresentadora disse que descobriu o câncer em estágio inicial e seria submetida a cirurgia. 
 
Com ocorrência maior no endométrio, o câncer do corpo do útero inclui entre os fatores de risco a obesidade, principalmente nas mulheres acima dos 50 anos. Manter o peso ideal e praticar atividades físicas regularmente são hábitos indicados para prevenir a doença.
 
Já o câncer de colo de útero, também chamado de câncer cervical, é 100% passível de prevenção, mas ainda assim se mantém entre os mais comuns no mundo. No Brasil, a estimativa é que seja o terceiro tipo mais frequente neste ano, atrás do de mama e do colorretal.
 
A estimativa do Inca para 2020 é de 16.590 casos novos de câncer de colo de útero em todo país, o que corresponde a 7,4% de todos os tipos de câncer em mulheres.
 
Causado pela infecção por alguns subtipos do vírus HPV (papilomavírus humano), que é transmitido sexualmente, o câncer de colo de útero pode ser evitado por meio da vacinação contra o vírus e pela realização periódica do exame de Papanicolaou. Nenhuma das duas ações de prevenção, contudo, tem atingido a cobertura ideal no Brasil, que tem uma das mais altas incidências de câncer cervical no mundo.
 
"Graças à vacina e ao exame preventivo, podemos erradicar esse câncer no país. Temos as técnicas e as ferramentas na mão. O exame, por exemplo, é presente há décadas na atenção primária e todos os municípios realizam", afirma Maria Asunción Sole Pla, médica sanitarista do Inca.
 
A eficácia da vacina contra HPV e do exame preventivo foram destacadas na Estratégia Global da OMS para Acelerar a Eliminação do Câncer de Colo do Útero. O documento foi lançado em 17 de novembro, com metas a serem cumpridas por 194 países até 2030, e o Brasil aderiu à iniciativa.
 
Devido à lenta evolução do câncer de colo de útero -podem se passar até duas décadas entre o contágio e a formação de lesão-, o exame preventivo é recomendado pelo SUS para mulheres de 25 a 64 anos. Ele deve ser realizado anualmente, por dois anos seguidos. Se os dois resultados forem negativos, a periodicidade passa a ser cada três anos.
 
Para o SUS, o exame deveria, idealmente, cobrir 85% da população-alvo. Uma pesquisa realizada em 2018 nas capitais do país pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde apontou que, dentro da faixa etária recomendada, 88,1% das mulheres entrevistadas realizaram o exame em algum momento da vida, e 81,7% realizaram nos três anos anteriores.
 
"Os números são bons, mas sabemos que mulheres com menor escolaridade ou que vivem no interior fazem menos exames. Falta acesso e falta informação, seja sobre prevenção ou tratamento. Precisamos bater na tecla de que é preciso fazer o exame e buscar as mulheres que nunca fizeram", diz Sole Pla.
 
Segundo a mesma pesquisa, o índice de realização do papanicolaou atinge valores mais baixos entre mulheres de 25 e 34 anos (74,5%) e também é menor entre as de baixa escolaridade (77%).
 
A vacina contra HPV é oferecida na rede pública às meninas desde 2014, e aos meninos desde 2017. No entanto, a cobertura vacinal contra o HPV ainda fica muito abaixo da meta mínima proposta, que é de 80%.
 
O Ministério da Saúde afirma que entre 2014 e 2020 foram distribuídas 48,5 milhões de doses de vacina contra HPV no Brasil. Mas, de acordo com levantamento realizado pela Sbim (Sociedade Brasileira de Imunização), o índice de cobertura acumulado está em 46,8% para meninas (9 a 15 anos) e 23,1% para meninos (9 a 14 anos).
 
Eficaz contra vários tipos de câncer causados pelo HPV, a vacina ainda enfrenta resistência no Brasil. A pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da Sbim, diz que, apesar de ser "uma das mais eficazes do mundo" e "totalmente segura", a imunização contra HPV é alvo de movimentos antivacina.
 
"Nos países onde foi introduzida na rede pública, com alta cobertura, como a Austrália, já é esperado erradicar o câncer de colo de útero nas gerações vacinadas", afirma.


A combinação de vacina, indicada antes do início da vida sexual, exames periódicos na fase adulta e uso de preservativos nas relações sexuais forma o protocolo ideal para eliminar a circulação do HPV e, por consequência, erradicar o câncer de colo de útero.
 
"Todo mundo pergunta quando teremos uma vacina contra o câncer. E já temos duas, a vacina contra hepatite B, que causa câncer do fígado, e contra o HPV. Mas o que move o mundo é o risco. Só temos coberturas altas e adesão acima do esperado quando há um surto. E nunca teremos um surto de câncer cervical", diz a pediatra.
 
A vice-presidente da Sbim reforça a necessidade de orientar sobre os riscos que o HPV representa. Além do câncer de colo de útero, ele pode causar os de boca e de pênis, entre outros. "Mandar as pessoas se vacinarem não leva à vacinação, é preciso informar o porquê. Precisamos tocar o coração das pessoas e transformar isso em um problema, porque, por enquanto, ele é só teórico", afirmou.