Igor de Carvalho põe fim à sua 'fúria musical' com o EP "Querido Caos,"
Disponível nas plataformas digitais, EP sequencia os dissabores trazidos pelo artista pernambucano em "Cabeça Coração", disco de 2019
Benditos sejam os alaridos nossos de cada dia, impregnados por fúrias e lamentos - entrelaçados a poéticas e sonoridades, claro. Como tão bem faz Igor de Carvalho em seu “Querido Caos,”, EP disponível nas plataformas digitais e que pode ser o tanto quanto ouvido e lido, como o esboço de uma carta musicada, justificada pela vírgula no título e pelo significado de começo, meio e fim de uma continuidade trazida desde “Cabeça Coração”, segundo disco do artista pernambucano lançado em 2019.
“Confesso que tenho um problema muito grande ainda em fazer singles, em soltar uma canção a esmo, sem justificá-la de uma maneira mais profunda. Quando pensei na vírgula foi justamente para oferecer essas canções como quem escreve uma carta, porque daria um sentido de início, meio e fim de continuidade”, ressalta Igor, em conversa com a Folha de Pernambuco.
Tomado por quatro faixas inéditas, “Querido Caos,” – produzido de “dentro do quarto” e finalizado no Estúdio Carranca - coloca fim em um ciclo imposto pelo próprio artista, em discurso amparado por uma pandemia que não comporta nada mais além de angústias. “No começo, em quarentena, comecei a compor músicas alegres, para cima e fofinhas, e eu não estava conseguindo sustentar esse discurso. Preferi priorizar as canções que choravam como o (disco) ‘Cabeça’, e o EP nasce desse conflito interno, de um desconforto de produzir em um momento de reclusão e ter que falar com o devido cuidado, o que fazia sentido para mim”.
Em “Você se Foi”, faixa que abre o EP, Igor estreia parceria com Guiseppe Mascena, a quem ele chama de “um grande amigo e poeta”. E ao lado de Alice Caymmi, em “Com Todo o Meu Amor”, composição dele junto a Juliano Holanda e Lula Queiroga (lançada em outubro), ele se finca no conflito entre amor e ódio, esbanjando propriedade ao declamar sentimentos extremos – e por vezes, complementares. “Se a gente esticar as duas pontas, a ordem, a harmonia e o caos, eles se tocam, tá tudo dentro e misturado. Somos feitos assim e é preciso abraçar nossas contradições”.
Já em “Fúria” a urgência em “encurtar a história” é proposta, envolta pelo acelerado de guitarras que dão e bem o tom do EP. “Essa carta é endereçada ao caos que vive dentro de mim, e também por isso respinga, resvala no caos do inconsciente coletivo que está em nosso entorno. E foi uma maneira que consegui de entender que quando estamos dentro da loucura e na confusão, o melhor lugar para se estar é no olho do furacão, porque é quando temos o panorama e enxergamos o cenário”.
E aos incontáveis (re)começos que atravessam meios para um dia chegar a um fim, tal qual se propõe o EP “Querido Caos,”, Buda, Ganesha e Jesus atuam como alguns dos personagens de “Elixir”, faixa que põe um ponto final ao disco e anuncia esperanças.
“É como se, para começar a gente tivesse que acabar alguma coisa, é o morrer para nascer de novo. O disco cumpre a função de fechar um ciclo, estanca essa maneira de compor através de espinhos, grito, choro e raiva. É como se fosse uma libertação que diz: vai agora, escolhe, tem um bocado de coisa com alternativas e futuros a serem explorados”, explica Igor sobre a “carta musicada e furiosa” mas que também dá boas-vindas ao novo e ao desejo de que luzes incandescentes no fim dos túneis existenciais de cada um reflitam, de fato, como um fim.