Gastos do governo

Relator desiste de PEC Emergencial em 2020 e equipe econômica busca alternativas

Marcio Bittar (MDB) vinha trabalhando em um relatório que condensava as três PECs do pacotaço de medidas fiscais

O senador Márcio Bittar - Reprodução/Twitter

O senador Marcio Bittar (MDB-AC) anunciou nesta sexta-feira (11) que não vai mais apresentar em 2020 o relatório da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, que foi criada para controlar despesas. A equipe econômica ainda avalia incorporar ao menos parte da proposta no Orçamento de 2021.
 
O anúncio vem após mais de um ano de discussões. Bittar vinha trabalhando em um relatório que condensava as três PECs do pacotaço de medidas fiscais apresentado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) em novembro de 2019.
 
Em nota distribuída por seu gabinete nesta manhã, Bittar diz que vinha trabalhando no relatório desde o primeiro semestre e que, nas últimas semanas, tentou um texto de consenso que ajudasse o país a solucionar "os graves problemas que enfrenta". Ele, então, diz ter consultado o governo, líderes parlamentares e seus pares.
 
"Em vista da complexidade das medidas, bem como da atual conjuntura do país, decidi não mais apresentar o relatório da PEC Emergencial em 2020", diz o senador.
 
"Creio que a proposta será melhor debatida no ano que vem, tão logo o Congresso Nacional retome suas atividades e o momento político se mostre mais adequado. Responsabilidade e cautela são as palavras de ordem", conclui Bittar, que passou os meses anteriores em campanha eleitoral no Acre.
A equipe econômica tentava até a véspera do anúncio destravar o relatório de Bittar. O time de Guedes sabia do risco de atraso, mas os relatos são de que se fazia um esforço para que o texto andasse.
 
Agora, a alternativa vista pela equipe econômica é tentar incorporar no Orçamento de 2021 ao menos parte da PEC Emergencial e, especificamente, do relatório de Bittar que circulou entre os líderes ao longo da semana.
 
Com isso, o governo teria algum respiro para eliminar certas despesas diante de pressões sobre o teto de gastos, como a inflação. Acaba ajudando essa estratégia o atraso na votação do Orçamento de 2021, que deve ficar para o ano que vem.
 
Com a decisão de Bittar, a tramitação do pacotaço fiscal, que se arrasta há mais de um ano, deve ficar para depois da eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, o que só acontecerá em fevereiro de 2021.
 
Ao longo desta semana, ao menos três versões do relatório de Bittar circularam entre os líderes. Uma delas, inclusive, trazia a flexibilização do teto de gastos, o que assustou o mercado. O senador chegou a dizer que o texto distribuído contara com aval da liderança do governo.
 
Todas as versões que foram distribuídas aos líderes representavam uma desidratação das três PECs do Plano Mais Brasil, entregue em novembro do ano passado por Guedes.
 
Inicialmente, o pacotaço de Guedes era distribuído em três PECs: a Emergencial, que era relatada pelo senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR); a dos Fundos, com o senador Otto Alencar (PSD-BA); e a do Pacto Federativo, que já estava nas mãos de Bittar.
 
O senador ficou com a relatoria do pacote após um esforço do governo para concentrar as propostas em apenas uma, com objetivo de facilitar a tramitação no Congresso.
 
O rascunho do relatório do senador removia diferentes dispositivos propostos originalmente por Guedes para rever gastos e reduzia o alcance dos 3Ds do ministro, de desvincular, desindexar e desobrigar despesas.
 
Entre as medidas mais importantes que ainda eram discutidas com o Congresso estava a possibilidade de redução em 25% da jornada dos funcionários públicos com redução proporcional dos vencimentos. Mas a medida ficou de fora.
 
Se aplicada a um quinto dos servidores públicos, a economia chegaria a R$ 8,6 bilhões por ano nas contas da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas).
 
Também havia ficado de fora a desindexação de despesas pela inflação, inclusive propostas ventiladas pela equipe econômica para que a norma fosse aplicada a benefícios previdenciários a quem ganhasse mais de um salário mínimo.
 
No trecho que eliminava 248 fundos públicos, o senador havia decidido criar mais exceções. Ele propunha que continuariam existindo, por exemplo, aqueles destinados à prestação de garantias e avais. E, especificamente, o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o Fundo Nacional da Cultura (FNC) e o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé).


Outra mudança significativa era que o superávit desses fundos deveria ser direcionado à administração da dívida pública, de acordo com a proposta original de Guedes; na proposta de Bittar, eles são de livre aplicação.
 
As receitas direcionadas hoje aos fundos poderiam, já na proposta original de Guedes, ser destinadas a programas contra a pobreza ou a obras de reconstrução nacional. O texto de Bittar ia um passo além e determinava que as receitas fossem usadas em um conjunto mais amplo de ações.
 
Eram projetos e programas para erradicação da pobreza e também programas de responsabilidade dos ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
 
Além de obras de infraestrutura para a reconstrução nacional, o texto citava projetos específicos (como rodovias, ferrovias e investimentos em gás natural), além da revitalização do Rio São Francisco e projetos de pesquisa e desenvolvimento científico.
 
Permanecia no texto a antecipação dos gatilhos que hoje só seriam acionados quando houvesse estouro do teto. Pela proposta, eles poderiam ser usados já quando a proporção da despesa obrigatória primária em relação à despesa primária total fosse superior a 95% no Orçamento.
 
Nesse caso, o governo ficaria impedido de fazer concursos públicos, aumentar salários, criar novos cargos e até criar despesa obrigatória.
 
Bittar também havia deixado de fora de seu texto propostas defendidas inicialmente por ele mesmo. Assim que recebeu o texto, em novembro do ano passado, o senador disse ao jornal Folha de S. Paulo que queria flexibilizar o piso para saúde e educação. Isso ficou de fora.
 
Além disso, ele planejava autorizar que parte dos recursos que deveria ir para as duas áreas fosse redirecionado à segurança pública. Isso também não foi incluído nas versões que circularam esta semana.
 
O texto distribuído nesta semana aos líderes partidários também frustrava aqueles que ainda esperavam que nele Bittar ajudasse o governo criando o Renda Cidadã – que já se chamou Renda Brasil –, programa que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pretendia criar em substituição ao Bolsa Família, que tem as digitais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
 
Inicialmente, o programa seria criado pelo Executivo, mas, sem encontrar uma fonte de recursos, Bolsonaro interditou o debate no governo e transferiu para o senador a função de criar o programa.
 
Em setembro, Bittar e o governo apresentaram a ideia de financiar o programa com limitação dos gastos de precatórios e recursos do Fundeb (fundo para educação básica).
 
Integrantes do Legislativo e do TCU (Tribunal de Contas da União) criticaram a ideia alegando que o Executivo tentava driblar o teto de gastos por meio de uma "contabilidade criativa", mesma estratégia usada para melhorar o resultado fiscal do país no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que saiu após processo de impeachment.
 
Sem consenso, a apresentação de uma solução foi prometida para depois das eleições municipais, o que agora, mais uma vez, não aconteceu.