Bolsonaro visita loja de sua ex-funcionária fantasma em Angra e se queixa de derrota de Wal do Açaí
Ela é investigada sob suspeita de ser funcionária fantasma de seu antigo gabinete na Câmara dos Deputados
O presidente Jair Bolsonaro visitou, nesta sexta-feira (11), em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, a loja e a casa de Walderice da Conceição, a Wal do Açaí, investigada sob suspeita de ser funcionária fantasma de seu antigo gabinete na Câmara dos Deputados.
Na visita de cerca de 40 minutos à Vila Histórica de Mambucaba, onde tem casa de veraneio, Bolsonaro também se queixou com moradores da derrota de Wal na candidatura a uma cadeira na Câmara Municipal de Angra dos Reis.
Ao ser abordado por um morador, que pedia uma obra na região, ele disse: "Pede para o vereador que vocês votaram aí".
Depois, orientou que procurassem Edenilson Nogueira, marido de Wal.
Concorrendo com o nome de urna Wal Bolsonaro, e apoio declarado do presidente, ela obteve apenas 266 votos e sequer será suplente do Legislativo da cidade –o Republicanos não conseguiu uma cadeira na Câmara. Ela ficou em 84ª posição entre os candidatos a vereador– o mais votado foi Rubinho Metalúrgico, que recebeu 2.615 votos.
A visita ocorreu mesmo o presidente tendo condicionado, à época da eleição, que só voltaria ao balneário se sua aliada tivesse uma boa votação.
"Eu prometo: se ela tiver uma boa votação na Vila Histórica de Mambucaba... Eu não sei também se o pessoal quer que eu vá para lá. Mas eu vou lá rever a minha casa", disse o presidente três dias antes do pleito.
O presidente entrou rapidamente na loja de Wal, mas não consumiu nada. Sem máscara, ele contrariou um aviso do estabelecimento que, manuscrito, dizia: "Obrigatório uso de máscara".
Ele também fez uma rápida visita à casa que visitou pela última vez em janeiro de 2018, quando concedeu entrevista para o jornal Folha de S.Paulo.
Durante a visita, o presidente conversou por mais tempo com Edenilson, marido de Wal. O casal não quis falar com a reportagem após a saída do presidente do local.
As suspeitas sobre Wal surgiram em 2018 em reportagem da Folha de S.Paulo. Na ocasião, o jornal revelou que a ex-assessora trabalhava em um comércio de açaí na mesma rua onde fica a casa de veraneio de Jair Bolsonaro, à época deputado federal, na pequena Vila Histórica de Mambucaba.
Segundo moradores da região, Wal também prestava serviços particulares na casa de Bolsonaro. De acordo com moradores da região ouvidos à época, o marido dela, Edenilson, era caseiro do presidente.
Na ocasião, Bolsonaro não soube detalhar serviços prestados pela assessora na cidade. Um dia depois, ele afirmou que ela trabalhava na loja de açaí porque na data em que os repórteres estiveram na vila estava de férias.
Em agosto, em horário de expediente, a Folha de S.Paulo voltou ao estabelecimento e encontrou Wal, com quem comprou um açaí e um suco de cupuaçu. Nesse mesmo dia, ela pediu demissão do cargo.
Os registros oficiais da Câmara dos Deputados mostram que ela passou nesses 15 anos por 26 mudanças de cargos no gabinete. Em 2011 e 2012 ela alcançou melhores cargos –são 25 gradações.
O mesmo ocorreu com outros assessores de Bolsonaro. Até abril de 2003, essa montanha-russa funcional se dava por meio de exonerações de fachada, em que o auxiliar tinha a demissão publicada e, no mesmo dia, era renomeado para o gabinete, geralmente para outro cargo.
De acordo com o ato da mesa da Câmara 12/2003, a prática tinha como único objetivo forçar o pagamento da rescisão contratual dos assessores, com 13º salário proporcional e indenização por férias, não raro acumuladas acima do período permitido em lei.
Nos 12 meses anteriores à edição do ato, o gabinete de Bolsonaro na Câmara registrou 18 exonerações de assessores que foram recontratados no mesmo dia –9 no mês anterior, sendo um deles na véspera da publicação da medida.
A partir de 2 de abril de 2003, a Câmara passou a só permitir a readmissão após 90 dias da saída e acabou com o pagamento de rescisão para trocas de cargos, que passaram a ser feitas pelos parlamentares sem necessidade de exoneração.
Com isso, o carrossel salarial no gabinete do hoje presidente da República caiu para menos da metade nos 12 meses seguintes à edição do ato, de 18 para 7.
A investigação sobre Wal foi aberta em setembro de 2018. Ela chegou a ser travada por mais de 120 dias pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge no período em que tentava articular junto ao presidente sua recondução ao cargo.
Após as eleições, novos casos surgiram no bojo das investigações sobre a suposta "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa. Um deles foi o de Nathalia Queiroz, filha de Fabrício Queiroz, suspeito de ser o operador financeiro do esquema.
Uma das estratégias usadas para alimentar o esquema, segundo a Promotoria fluminense, é justamente o emprego de funcionários-fantasmas. No gabinete de Flávio, diz a investigação, esses servidores devolviam seus salários para Queiroz.