Superação

Trabalho e pandemia: como profissionais se reinventaram em meio à crise

O alto índice de desemprego fez com que diversos trabalhadores se reencontrassem profissionalmente

Viviane Galvão driblou a crise fazendo bolos - Paullo Almeida/Folha de Pernambuco

A pandemia do novo coronavírus marcou definitivamente o ano de 2020 como um período negativo e de dificuldades extremas. As perdas irreparáveis de vidas humanas se somaram à uma grave crise econômica, em que diversos trabalhadores ficaram sem emprego ou tiveram o salário reduzido. E nesse momento delicado, com a economia fechada, muito além do suporte do poder público, foi necessário se reencontrar profissionalmente para poder superar a crise.

Funcionária de uma concessionária de veículos, Viviane Galvão teve o seu contrato encerrado logo no começo da pandemia. Sem renda e sem perspectivas, decidiu se reinventar apostando em uma atividade que teve início em um dos momentos mais difíceis de sua vida. “Há dois anos eu descobri que tinha um tumor cerebral. Após a cirurgia, precisei ficar um tempo em casa e o médico não permitiu que eu dirigisse por um ano, que era como eu trabalhava na época. Nesse período eu comecei a fazer bolo para a minha família, sem nenhuma pretensão”, lembrou Viviane.

Voltando a trabalhar no início deste ano, Viviane acabou sendo surpreendida com a pandemia e com o desemprego meses após iniciar o novo trabalho. Diante do cenário de incerteza econômica, ela dedicou tempo a si mesma e inaugurou o Viviane Galvão Cakes. “Foi nesse momento que eu decidi não trabalhar mais para ninguém e agarrei com unhas e dentes a oportunidade de fazer e vender bolos. Então eu decidi estudar ainda mais sobre o assunto fazendo parte de uma escola de confeitaria”, explicou a boleira.

Durante a pandemia, Viviane teve a oportunidade de participar de um concurso voltado para a área de confeitaria. “Por causa da escola, eu tive a oportunidade de participar de um concurso on-line nacional, chegando até a semifinal. Ele me ajudou a aumentar o número de seguidores do meu Instagram, mas, o engraçado é que, mesmo com esse aumento, o meu principal canal de vendas continua sendo as indicações dos clientes”, afirmou Viviane.

Os planos da boleira, agora, são de expandir o seu negócio e ajudar outras pessoas que queiram se aventurar no ramo. “Uma das coisas que estão no meu coração é tentar, de alguma forma, contribuir para que as pessoas que vivem em situações desfavoráveis possam ganhar o seu dinheiro com a confeitaria. Penso, também, em instruir sobre a parte administrativa do negócio para que ele seja rentável. Então esse é meu objetivo para o futuro”, projetou Viviane.

A família Morais também passou por dificuldades durante a pandemia. O produtor cultural Augusto Morais trabalhava com editais culturais junto aos moradores de Paratibe, onde vive, antes da pandemia. Com a suspensão dos eventos e, consequentemente, dos editais, ele decidiu focar seus esforços em uma antiga tradição familiar, o licor, e deu início ao Licor Morais.

“O licor está ligado às minhas memórias de infância porque a minha tia fazia licor e distribuía para as pessoas. Como é uma coisa muita forte para mim, ele também poderia ser forte para outras pessoas. Então durante a pandemia eu percebi que as pessoas estavam comendo e bebendo muito em suas casas. Vi que esse era o momento de impulsionar o licor. Foi quando eu comecei a focar nessa atividade”, explicou Augusto.

O produtor cultural Augusto Morais apostou em uma tradição familiar

O produtor cultural Augusto Morais apostou em uma tradição familiar para se reinventar. - Crédito: Ed Machado/FolhaPE

Apostando no aspecto emocional do licor, o produtor cultural vem conseguindo driblar o momento de crise econômica. “A cerveja é uma bebida democrática, porque bebe muita gente. O licor é mais reservado, para beber e degustar com pessoas mais próximas a você. E como na pandemia estava acontecendo isso, percebi que a sacada era essa. As pessoas querem comprar coisas que se identifiquem com elas, e o licor tem muito a ver com isso. Alguns sabores lembram muito a infância, como a pitanga e o jenipapo, o que ajuda nessa ligação do produto com os consumidores”, analisou Augusto.

Diferente de Viviane, o Licor Morais tem nas redes sociais o seu principal meio de encomendas. E quem ajudou Augusto a alavancar as vendas foi a sua sobrinha, Mariana Morais. Jornalista especializada em marketing digital, ela viu seus clientes reduzirem pela metade durante a pandemia e decidiu ajudar a família com os seus conhecimentos.

“Eu sempre dizia ao meu tio que ele tinha grande potencial para vender nas plataformas digitais, tanto pelo Facebook como pelo Instagram. Foi quando a gente sentou para conversar e montou uma estratégia para começar o negócio. No início, ele tinha apenas 80 seguidores e hoje já são mais de 800. Então a pandemia foi uma oportunidade para eu aplicar os resultados do que eu aprendi e ajudar meus familiares”, afirmou a jornalista.

A jornalista Mariana Morais ajudou a sua família durante a pandemia. Crédito: Ed Machado/FolhaPE

A jornalista Mariana Morais ajudou a sua família durante a pandemia. - Crédito: Divulgação

A mãe de Mariana, Adriana Morais, também teve ajuda da filha para impulsionar seu negócio. Artesã, ela confeccionava alguns produtos, como biscuits e porta-papel higiênico, para vender em feirinhas de artesanato de bairros. A chegada da pandemia fez com que esses pequenos comércios ficassem fechados, impossibilitando o trabalho dela. Foi então que ela decidiu montar um ateliê dentro do seu quarto, chamado carinhosamente de “quarteliê”, e passou a confeccionar kits com máscara, porta-máscara e porta-álcool em gel.

“Quando as feiras pararam durante a pandemia, a minha filha me deu a ideia de começar a fazer as máscaras. Eu decidi estudar pela internet e comecei a criar kits com diferentes estampas para vender. Mariana também tomou conta da parte de marketing do projeto, então acabou ficando um negócio familiar”, disse a artesã.

Inicialmente com pouco mais de 100 seguidores, o Instagram Atelie Adriana Morais tem hoje mais de mil seguidores. A divulgação pela internet fez o negócio romper as barreiras de Pernambuco, com clientes na Paraíba e em São Paulo. “Às vezes eu nem consigo dar conta de ver todos os pedidos e preciso da ajuda de Mariana para poder tocar o negócio”, explicou Adriana.

Assim como a boleira Viviane, Adriana também pensa em ensinar as pessoas para que elas possam viver do artesanato. “Assim como todo mundo, eu espero que essa pandemia acabe e que não precisemos mais de máscara. No futuro, eu espero abrir o meu próprio ateliê e fazer dele, além de uma loja, um espaço de ensino para as pessoas que vivem aqui nas comunidades próximas da minha casa e que não têm condições de pagar um curso. Então eu espero criar um ambiente que possibilite elas a sobreviverem através da arte”, projetou a artesã.

A artesã Adriana Morais apostou na confecção de máscaras durante a pandemia - Crédito: Ed Machado/FolhaPE

A artesã Adriana Morais apostou na confecção de máscaras durante a pandemia. - Crédito: Ed Machado/FolhaPE