Senado polarizado decide a legalização do aborto na Argentina
A sessão para debater o projeto que tem o apoio do presidente Alberto Fernández foi convocada para às 16h locais (mesmo horário de Brasília) de terça-feira (29)
Um Senado polarizado definirá na terça-feira (29) se aprova o projeto de legalização do aborto na Argentina, que avançou na Câmara dos Deputados, em uma votação com resultado incerto, depois que em 2018 uma iniciativa similar foi barrada na Câmara Alta.
A sessão para debater o projeto que tem o apoio do presidente Alberto Fernández foi convocada para às 16h locais (mesmo horário de Brasília) de terça-feira e deve durar várias horas antes da votação, cujo resultado aparece quase empatado, segundo analistas, em um tema que divide as forças políticas.
O Congresso voltará a ser cenário de manifestações a favor e contra a interrupção voluntária da gravidez (IVE) até a 14ª semana de gestação, apesar das restrições impostas pela pandemia de coronavírus.
Um dos 72 senadores não participará na sessão depois ter sido suspenso por uma denúncia de assédio sexual.
E é pouco provável que o senador e ex-presidente Carlos Menem, de 90 anos, hospitalizado com problemas cardíacos e renais, tenha condições de votar. Declarado antiabortista, durante seu governo (1989-1999) Menem instituiu o 'Dia da criança por nascer'.
Em caso de empate na votação, o desempate será definido pela presidente do Senado, a ex-presidente e atual vice-presidente Cristina Kirchner. Durante seu mandato como chefe de Estado (2007-2015) ela não propôs a legalização do aborto, mas mudou de posição e votou a favor da medida em 2018 quando o Congresso examinou pela primeira vez um projeto de IVE.
Disputa
Após a aprovação há duas semanas na Câmara dos Deputados - com 131 votos a favor, 117 contrários e seis abstenções -, todos os olhares estão voltados para o Senado, historicamente mais conservador.
Devido à pandemia, as grandes manifestações das ativistas de lenço verde - símbolo da campanha a favor da legalização do aborto - foram transferidas para as redes sociais, com exceção do dia do debate na Câmara, quando milhares de pessoas se reuniram diante do Congresso, algo que será repetido em 29 de dezembro.
"Vamos estar nas ruas porque teremos uma festa popular. Mas o Senado é impermeável às ruas, a decisão se joga no outro lado", disse María Florencia Alcaraz, autora do livro "Que seja lei!", publicação que compila a história da luta pelo aborto legal na Argentina.
Os cálculos apontam entre 370.000 e 520.000 abortos clandestinos na Argentina a cada ano. Dezenas de mulheres morrem em consequência das práticas, que são ainda mais graves em um contexto de pobreza.
María, formada em Relações Internacionais, 35 anos, que fez um aborto aos 9, afirma que "a legalização é necessária porque o desespero leva a abortar de qualquer maneira".
"Em nenhum momento me arrependi da decisão", conta a ativista, que prefere não revelar o sobrenome. "Minha situação foi muito privilegiada, primeiro porque estou viva e segundo porque foi realizado nas melhores condições possíveis. Eu tive educação sexual entre aspas, tínhamos crenças incorretas", conta à AFP.
Pressão
Em um país de forte influência católica e berço do papa Francisco, a pressão da Igreja é grande. Os bispos programaram uma missa "pela vida" este sábado na Basílica de Luján e convocaram outras cerimônias para domingo.
"Sou católico, mas tenho que legislar para todos. E sou um católico que pensa que o aborto não é um pecado", declarou o presidente Fernández, que apresenta o tema como uma questão de saúde pública.
Para somar votos favoráveis, o projeto inclui a possibilidade de que os profissionais de saúde apresentem uma "objeção de consciência", um ponto questionado pela campanha por aborto legal, seguro e gratuito, que reúne mais de 300 organizações feministas.
Ao mesmo tempo, Fernández estimula outro projeto, que também será examinado pelo pelo Senado na terça-feira, que cria um "seguro de mil dias" para fortalecer o atendimento à mulher durante a gravidez e os cuidados dos filhos nos primeiros anos de vida, com o objetivo de evitar um aborto motivado por causas econômicas.
Desde 1921 o aborto é permitido na Argentina em caso de estupro ou perigo para a vida da mulher. Na América Latina, o aborto é legal apenas em Cuba, Uruguai e Guiana, assim como na Cidade do México, e é totalmente proibido em El Salvador, Honduras e Nicarágua.