Brasil

Ao contrário da Argentina, aborto enfrenta bloqueio no Congresso brasileiro

No Brasil, o aborto é autorizado apenas quando a gravidez foi gerada por uma violação, em caso de risco para a saúde da gestante e para fetos com anencefalia

Mulher grávida - Pixabay

Enquanto o Senado argentino aprovou nesta quarta-feira (30) o direito das mulheres de realizarem aborto até a 14ª semana de gravidez, o tema enfrenta um bloqueio de parlamentares conservadores e religiosos no Congresso brasileiro.

A avaliação de congressistas ouvidos pela Folha é que, no contexto atual, não há margem para que uma legislação semelhante à do país vizinho avance no Congresso Nacional. Por isso, políticos que defendem a ampliação das possibilidades de interrupção legal de gravidez têm uma atuação centrada em barrar o avanço de proposições que consideram retrocessos, por limitarem ainda mais direitos reprodutivos das mulheres.

A resistência ao tema no Parlamento aumenta com a atuação do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo dos últimos dois anos, o governo Bolsonaro tomou medidas que, na prática, dificultam o acesso às possibilidades de aborto hoje permitidas em lei e constrangem mulheres que busquem o procedimento.

No Brasil, o aborto é autorizado apenas em três hipóteses: quando a gravidez foi gerada por uma violação, em caso de risco para a saúde da gestante e para fetos com anencefalia. "Eu não conseguiria imaginar, num contexto de governo Bolsonaro e com o Congresso que nós temos, um desfecho semelhante [ao da Argentina]", afirma a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). "O debate [no Legislativo brasileiro] é completamente misturado entre religião e Estado."

De acordo com a plataforma Elas no Congresso, da Revista AzMina, em 2019 foram apresentados na Câmara e no Senado 18 projetos de lei sobre a temática do aborto, todos buscando mais restrições para a realização do procedimento.

Em 2020, uma nova leva de proposições restritivas foi apresentada, entre eles textos baseados no chamado estatuto do nascituro –termo usado por grupos opositores ao aborto para tentar reconhecer determinados direitos fundamentais a embriões.

"Eu fiquei na Comissão de Seguridade Social e Família, aonde chegavam projetos para inclusive tentar revogar direitos que se têm hoje. [Propostas] sempre no sentido de revogar, criminalizar ou dificultar o acesso ao aborto legal que hoje existe no Brasil", relata a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

Embora diversos projetos restritivos tenham sido apresentados, eles pouco andaram em 2020. As comissões temáticas não funcionaram neste ano em razão da pandemia de Covid-19. Além do mais, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse no início do ano que a Casa tem "segurado os movimentos mais radicais" sobre o tema.

A principal ação contra o aborto legal no Congresso vem das bancadas religiosas.
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, afirma que o resultado na Argentina serve de "alerta", mas que o quadro no Brasil é distinto.
"O cenário na política do Parlamento brasileiro é diferente. Temos uma bancada evangélica muito forte, e a própria bancada católica é mais organizada do que os católicos argentinos. Eu não vejo margem para que [o aborto legal] seja aprovado no Parlamento com a composição atual do Congresso, que é altamente conservador", opina.
Para Debora Diniz, do Instituto Anis Bioética, que atua em defesa dos direitos das mulheres, o atual bloqueio no Parlamento para matérias relacionadas ao aborto é reflexo do perfil do Legislativo brasileiro, com representação desproporcional de homens mais velhos e alta presença de políticos religiosos.
"Sem uma transformação para mais juventude na política, sem uma transformação para mais mulheres na política, nós vamos ter um balanço para uma maior criminalização do aborto no debate brasileiro", diz.
"O aborto tem tanta resistência no Congresso por conta de quem são os políticos brasileiros. Não é a sociedade, é quem está ali representando e falando da política brasileira", afirma.
Defensores dos direitos das mulheres esperam que o STF (Supremo Tribunal Federal) seja um caminho para a ampliação das hipóteses em que o procedimento é permitido.
Embora exista uma ação pela descriminalização do aborto na Corte, ela ainda não foi julgada e não há previsão sobre quando será analisada.