EUA

Em decisão inédita na gestão Trump, Senado derruba veto a orçamento militar

A anulação entra para a série de conflitos e derrotas a 20 dias do fim do mandato do republicano, em especial por ter sido finalizada em uma Casa cujo seu partido detém maioria

Donald Trump - Andrew Caballero-Reynolds/AFP

Em um movimento sem precedentes na gestão de Donald Trump, o Senado dos EUA seguiu a Câmara dos Deputados e derrubou o veto presidencial para o orçamento militar, no valor de US$ 740 bilhões (R$ 3,9 trilhões), em uma rara sessão realizada no primeiro dia do ano.

A anulação entra para a série de conflitos e derrotas a 20 dias do fim do mandato do republicano, em especial por ter sido finalizada em uma Casa cujo seu partido detém maioria.

O veto de Trump foi derrubado com a maioria de dois terços necessária para anular a decisão, sendo 81 votos a favor e 13 contra. O placar na Câmara também foi maciço contra o presidente, de 322 votos pela derrubada -109 de republicanos- a 87 pela manutenção.

"Aprovamos essa legislação por 59 anos seguidos. E de um jeito ou de outro, vamos concluir o 60º orçamento anual e aprovar a lei antes da conclusão deste Congresso no domingo", afirmou o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell. Os congressistas eleitos em 3 novembro tomam posse no domingo (3).

No Twitter, Trump classificou a derrubada como patética. "Nosso Senado republicano acabou de perder a oportunidade de se livrar da seção 230 [do Ato de Decência nas Comunicações], que dá poder ilimitado às big techs. Patético!!!"

"Agora eles querem dar às pessoas devastadas pelo vírus chinês US$ 600 dólares em vez de US$ 2.000, que elas precisam desesperadamente. Não é justo ou inteligente", escreveu o presidente sobre a ajuda em discussão na Casa.

O republicano vetou a lei que define o orçamento militar na última quarta-feira (23) porque exigia que o texto incluísse a revogação da legislação que dá imunidade a plataformas de internet, que ele acusa de perseguirem conservadores. Trump quer reformular a seção 230 do Ato de Decência nas Comunicações, de 1996, que exime as plataformas de responsabilidade por conteúdo postado por terceiros.

Ele se voltou contra as plataformas quando elas começaram a fazer checagem de suas declarações e a rotular ou derrubar publicações com informações falsas sobre a Covid-19, que incitavam violência ou que questionavam a integridade das eleições.

"A seção 230 facilita a disseminação de desinformação estrangeira online, que é uma séria ameaça à nossa segurança nacional", disse Trump em comunicado. "Ela precisa ser revogada."

Tanto republicanos quanto democratas, porém, argumentaram que essa provisão nada tem a ver com assuntos militares, o tema da legislação em discussão, e que o orçamento militar é anualmente aprovado desde 1961. A lei em discussão aborda uma série de questões de política de defesa e inclui o aumento no pagamento às tropas dos EUA.

"Meu governo tem adotado medidas para manter nossa nação segura e apoiar os membros das Forças Armadas", disse Trump na notificação sobre o veto. "Eu não vou sancionar essa lei, que coloca os interesses do establishment de Washington à frente daqueles do povo americano."

Trump se opôs ainda à disposição para renomear bases militares que levam o nome de generais que lutaram pelos confederados, lado que, durante a Guerra Civil (1861-1865), defendeu a escravidão.

Muitas estátuas de confederados têm sido removidas por homenagear líderes que advogavam a segregação racial. A extrema direita se opõe à remoção de estátuas e bandeiras de cunho racista.

Apesar de a anulação da decisão de Trump ser inédita em sua gestão, o resultado já era, de certa forma, esperado. O texto havia sido aprovado com margens superiores aos dois terços necessários para reverter a rejeição do republicano.

A derrubada do veto nas duas Casas evidencia o racha entre Trump e o Partido Republicano. O presidente tem se irritado com correligionários desde que Biden foi projetado vencedor da eleição presidencial pela imprensa americana, em 7 de novembro.

Trump se nega a aceitar o resultado, publicando mensagens quase diárias em redes sociais em que questiona a vitória democrata ou diz haver indícios de fraude -sem jamais apresentar provas. Nesta sexta, o mandatário afirmou haver "evidências massivas" que serão apresentadas no dia 6 de janeiro, quando o Congresso se reúne para ratificar a decisão do Colégio Eleitoral.

Em meio à troca de farpas, Trump tachou, neste mês, de "RINOS" (republicanos apenas no nome) os 27 membros do partido do Congresso ouvidos pelo jornal The Washington Post que reconheceram publicamente a vitória de Biden.

A fúria trumpista se volta também àqueles que, até contrariarem o presidente, eram aliados. Apoiador fervoroso do republicano, William Barr anunciou, na segunda (14), sua saída do cargo de secretário de Justiça. A relação entre os dois estremeceu após o reconhecimento do secretário de que não houve fraude eleitoral generalizada que justificasse uma reversão da derrota de Trump.

E a própria área da defesa reuniu polêmicas presidenciais neste ano eleitoral. O governo do republicano causou preocupação ao abalar a liderança do Pentágono desde o pleito, incluindo demitir o secretário de Defesa, Mark Esper, após uma série de desentendimentos entre os dois.

Esper irritou Trump principalmente por se opor ao uso de tropas militares para reprimir os protestos antirracismo em várias cidades do país, em junho -o que o republicano havia ameaçado fazer.

Ele também discordou da pressão do presidente sobre os demais membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da gestão do governo na pandemia -Esper impôs regras sanitárias desprezadas por Trump, como o distanciamento e o uso de máscara, nos quartéis do país.