Infelizmente, vão sentir na pele o que nós sentimos, dizem ex-funcionários da Ford de São Bernardo
Ford anunciou, nesta semana, que serão demitidos 5.000 trabalhadores no Brasil e na Argentina
Mais de um ano após o encerramento das atividades da Ford de São Bernardo do Campo (ABC Paulista), ex-funcionários da montadora relatam dificuldades para voltar ao mercado de trabalho.
Muitos estão desempregados ou vivendo de trabalhos informais e, a esses entraves, soma-se, muitas vezes, a idade considerada avançada por possíveis contratantes.
O auditor de qualidade Orlando Rodrigues Calixto, 45 anos, foi desligado em junho de 2019, após duas décadas e meia na unidade. Hoje, faz bicos e trabalha como motorista de aplicativo.
"Pretendo um dia voltar para a minha área, mas o mercado está cada vez mais difícil. Nenhuma montadora chama, mesmo a gente tendo experiência", queixa-se. "A gente passa por várias entrevistas e vê que há, sim, um pré-julgamento. Muitas vezes pela idade ou por causa do salário, mais alto, que recebíamos antes."
Ao receber a notícia de que a Ford fechará todas as fábricas e encerrar a produção no país, decisão anunciada na última terça-feira (11), Calixto diz que a sensação foi de tristeza.
"Infelizmente, o pessoal vai sentir na pele o que a gente sentiu há um ano e meio. Todo o processo de luta para não ter fechamento e, mesmo assim, a fábrica fechou, deixando muitos profissionais na rua", afirma o ex-funcionário.
"A recolocação no mercado não foi legal para quem é ex-funcionário da Ford, ficamos sem rumo. O mercado está muito parado e a Ford já está com a ideia de investir somente em carros elétricos e híbridos há muitos anos", observa. "Apesar de ser uma transformação global de fechamento de fábricas, aqui também o governo não ajudou muito e, agora, haverá mais 5.000 pessoas na rua", lamenta.
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No comunicado feito nesta semana, a Ford anunciou que serão demitidos 5.000 trabalhadores no Brasil e na Argentina, sem dar detalhes. Serão encerradas as produções nas plantas em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e da Troller, em Horizonte (CE).
O grupo remanescente no mercado brasileiro vai manter algumas operações locais. A sede da montadora na América do Sul continuará sendo no Brasil, e o campo de provas de Tatuí, bem como o centro de desenvolvimento da Bahia continuam operando.
Na terça (11), trabalhadores de São Paulo e da Bahia reuniram-se em protesto contra o anúncio do fechamento. Para eles, o sentimento é de traição, uma vez que recentemente foram assinados acordos de estabilidade e flexibilização de benefícios e reajustes salariais, com a contrapartida prometida de se manterem os empregos nas plantas.
O ex-operador de rebocador Ricardo Martins Barbosa, 42 anos, também foi desligado da planta de São Bernardo em 2019.
Ele, que trabalhava no abastecimento de peças, concluiu um curso para bombeiro civil e conseguiu recolocação no mercado em outra área após a demissão. Hoje, no entanto, está desempregado.
"Desde fevereiro do ano passado, passei a trabalhar com emissão de notas em uma transportadora, mas saí faz dois meses. Agora, estou procurando e aguardando respostas de algumas empresas", diz.
Sobre o encerramento das atividades fabris da Ford no Brasil, Barbosa diz também se sentir triste e avalia que a decisão já era algo esperado.
"É muito triste o impacto que isso vai causar. Essa reestruturação da Ford é um planejamento de anos, todos falavam que isso, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer", analisa. "Aqui no Brasil, a Ford sempre teve incentivos fiscais, mas acham a mão de obra muito cara, sem falar nos milhares de processos trabalhistas. É lamentável, mas vida que segue."
A Ford anunciou o fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo em fevereiro de 2019, como parte de uma "reestruturação global da empresa".
Em julho do mesmo ano, a montadora demitiu 750 funcionários que trabalhavam na linha de montagem do Fiesta, modelo que era produzido no Brasil desde 1996. Em outubro, a montadora encerrou a produção de caminhões, com o desligamento de cerca de 650 profissionais.
Por muitos meses especulou-se a venda da unidade para o Grupo Caoa, com readmissão de parte dos funcionários.
À época, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC anunciou que a empresa brasileira aguardava a liberação de um financiamento pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a conclusão da compra e que já havia sido firmado um acordo trabalhista com a Caoa para a contratação dos trabalhadores e o pagamento de 80% da tabela da Ford.
O ponto de interrogação, no entanto, transformou-se em ponto final há exatamente um ano, em 13 de janeiro de 2020, quando o governador João Doria (PSDB) anunciou que a Caoa havia desistido da compra.
Em outubro, a Ford confirmou a venda da fábrica de São Bernardo para a construtora São José, especializada em empreendimentos logísticos, e a empresa Fram Capital, focada em gestão de recursos.
Lyle Watters, presidente da Ford América do Sul, afirmou em nota que, após um processo de seleção que envolveu uma série de potenciais compradores, as duas empresas apresentaram a melhor alternativa para a planta e para a região.
Em agosto, o executivo havia afirmado ao jornal Folha de S.Paulo que o Sindicato dos Metalúrgicos foi envolvido nas negociações. "Pedimos à construtora que considere o aproveitamento dos empregados, estamos progredindo nessas discussões. O que sei é que a força de trabalho de São Bernardo é fantástica e qualquer empregador estaria contente de contratar esses funcionários", afirmou Watters.