Pandemia

Com avanço de casos de Covid-19, oxigênio falta em cinco cidades do interior do Amazonas

Pelo menos 27 pacientes já morreram em decorrência da falta de oxigênio desde a última quinta-feira

Oxigênio para atendimento em Manaus - Dhyeizo Lemos/Prefeitura de Manaus

Pelo menos cinco municípios do interior do Amazonas já estão sofrendo com a falta de oxigênio nos hospitais, que levou a rede pública de saúde de Manaus ao colapso na última quinta (14). Em quatro deles -Coari, Manacapuru, Itacoatiara e Iranduba- o estoque de oxigênio nos hospitais é crítico e chegou a ficar zerado por algumas horas, ao longo dos últimos quatro dias.

Só nessas quatro cidades, pelo menos 27 pacientes morreram em decorrência da falta de oxigênio desde a última quinta (14), segundo informações das prefeituras e do presidente do Cosems-AM (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Amazonas), Fran Martoni.

As prefeituras ainda estão investigando quantas dessas mortes tiveram relação direta com o desabastecimento de oxigênio.
A prefeitura de Coari, no interior do estado, informou que sete pacientes que estavam internados no Hospital Regional de Coari morreram por falta de oxigênio na unidade de saúde nesta terça-feira (19).

Segundo a prefeitura, a Secretaria de Saúde do Amazonas havia prometido enviar 40 cilindros de oxigênio para o município até as 18h de segunda-feira (18), mas o avião que transportava os insumos passou direto por Coari e seguiu para Tefé. Como o aeroporto de Coari não opera durante a noite, os cilindros só chegaram à cidade às 7h desta terça, mas o estoque do hospital acabou às 6h, deixando os pacientes sem oxigênio por cerca de uma hora.

A prefeitura acusa o governo do estado de reter 200 cilindros de oxigênio do município na capital e, ainda, de usar parte deles para abastecer unidades de saúde da capital, em detrimento das do interior. Em Manacapuru, o hospital ficou sem oxigênio no dia 14 de janeiro, batendo o recorde de mortes em um único dia desde o início da pandemia: foram 11 ao todo.

A situação não melhorou desde então e há chance de um novo desabastecimento do insumo nos próximos dias. "Eu tenho oxigênio garantido até a meia noite no máximo", disse o secretário de Saúde de Manacapuru, Rodrigo Balbi, por volta das 18h desta segunda (18).

Nesta terça (19) Balbi contou que o município recebeu oxigênio antes do estoque acabar, que deve garantir o atendimento ao longo do dia, mas o problema está longe de ser resolvido. Ele afirma que, há dez dias, não consegue abastecer o estoque do hospital municipal. "Estamos fazendo manobras com cilindros. A cada meia hora sai um carro daqui com cilindros vazios para encher nas empresas de Manaus", contou o secretário de Manacapuru, que fica a 98 km de capital.

A situação também preocupa em Parintins, segunda cidade mais populosa do Amazonas, que recebe pacientes de outros municípios do baixo rio Amazonas. Lá, só não faltou oxigênio porque o município possui uma pequena usina e deve colocar uma segunda em operação ainda esta semana, contou Martoni.

Juntos, os quatro municípios têm pouco mais de 365 mil habitantes, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nos últimos dias, o Ministério Público do Estado do Amazonas ingressou com ações civis públicas contra o governo do estado para garantir o fornecimento ininterrupto de oxigênio a seis municípios do interior: Parintins, Itacoatiara, Manacapuru, Tefé, Nova Olinda do Norte e Autazes.

Em todos os casos foram concedidas liminares favoráveis, mas em Autazes a decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, informou a promotora de justiça Karla Cristina Sousa. "Estamos com atenção concentrada nos municípios que estão enfrentando uma demanda crescente. No interior, [a pandemia] vai avançando em ondas. A qualquer momento eles podem ficar sem oxigênio", alertou a promotora.

Ela ainda disse estar preocupada com a situação de Presidente Figueiredo - uma das cidades mais visitadas pelos manauaras nos finais de semana (parte deles fugindo das restrições em Manaus). Além desses, Tefé, Nova Olinda do Norte e Autazes também já relataram à Promotoria que estão com estoques baixos de oxigênio, que devem ser suficientes para mais alguns dias. No município de Barcelos, o hospital tem oxigênio garantido para as próximas 48 horas.

Ainda segundo à Promotoria, os estoques também já preocupam os gestores dos municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e Novo Airão. O presidente do Cosems-AM, Fran Martoni, disse que pelo menos sete municípios do interior do estado já fretaram aeronaves para buscar oxigênio em outros estados, caso por exemplo de Caapiranga, Barreirinha e Ucurará. "Até municípios menores fizeram isso."

Ele alerta que a falta de oxigênio pode atingir pelo menos 30 dos 61 municípios do interior do Amazonas, caso a demanda continue crescendo no ritmo atual e o estado não consiga regularizar o fornecimento de oxigênio em todo o interior. Para agravar a situação, os municípios do interior do Amazonas não contam com nenhum leito de UTI - todos os 376 ficam na capital. De acordo com a SES-AM (Secretaria de Saúde do Amazonas), 56 pacientes de cidades do interior aguardam transferência para hospitais de referência para a Covid-19 em Manaus - 28 deles à espera de um leito de UTI.

Uma delas é a aposentada Rosineide Farias, 70, que está há três dias internada no Hospital Jofre Cohen, em Parintins, na fila por transferência para um leito de UTI, conta a filha dela, a cabeleireira Kelle Pestana. Ao todo, cinco pessoas da família dela tiveram diagnóstico confirmado de Covid-19. A outra filha de Rosineide foi transferida para um leito de UTI em Manaus no último domingo (17). "É angustiante essa espera", desabafou Kelle.

No último domingo (17), a taxa de ocupação dos leitos de UTI para Covid-19 nos hospitais da rede pública de Manaus era de 94%. Já entre os leitos clínicos ela chegou a 105%, ou seja, os hospitais operaram acima da capacidade. O Amazonas registrou 47 óbitos por Covid-19 nas últimas 24 horas, seis deles no interior. O estado chegou a 230.644 casos e 6.191 óbitos no domingo (17), sendo que 4.072 mortes ocorreram no interior e 2.119 na capital, que concentra pouco mais da metade da população do estado.

A SES-AM informou que, nos últimos dois dias, foram enviados cilindros de oxigênio a mais de 40 municípios do interior, entre eles Tefé, Parintins, Manacapuru, Itacoatiara, Iranduba, Nova Olinda do Norte e Presidente Figueiredo, mas a pasta não revelou até quando essa carga atenderá as redes. Ainda segundo a SES-AM, o governo do Amazonas está recebendo, em média, 20 mil metros cúbicos de oxigênio em quatro voos diários da FAB, além de carregamentos em balsas que partem do Pará com capacidade para transportar de 9 a 25 mil metros cúbicos de oxigênio. A pasta não informou quanto já chegou nas balsas. Além disso, alguns municípios receberão "miniusinas" de oxigênio, mas não há data para começarem a operar.

A pasta também informou que carretas transportando 107 mil metros cúbicos de oxigênio doados pelo governo do estado venezuelano de Bolívar também estavam previstas para chegar a Manaus na noite desta segunda (18). Além da doação venezuelana, o Amazonas recebeu, até domingo (17), 22 mil metros cúbicos de oxigênio doado por empresas e pessoas físicas.

A SES-AM também aponta a transferência de 235 pacientes internados para outros estados como uma estratégia para reduzir a demanda por oxigênio nos hospitais do estado. As transferências começaram na última sexta e, até esta segunda (18) foram realizadas mais 112, segundo a pasta.