Em reunião com chanceler da Índia em novembro, Ernesto criticou globalismo, mas não falou de vacina
Segundo apurou a reportagem, Ernesto se limitou a dizer a seu contraparte, Subrahmanyam Jaishankar, que o assunto das vacinas estava muito politizado e criticou "um governador"
O chanceler Ernesto Araújo convocou uma reunião extraordinária com o chanceler indiano em 11 de novembro, para discutir a nova geopolítica após a pandemia de Covid-19, e não tocou no assunto das vacinas. Um dos tópicos de discussão da vídeo conferência de novembro era "cooperação no setor farmacêutico", mas Ernesto não falou nada sobre a vacina de Oxford/AstraZeneca fabricada pelo Instituto Serum na Índia, nem sobre a vacina fabricada pela Bharat Biotech no país.
Segundo apurou a reportagem, Ernesto se limitou a dizer a seu contraparte, Subrahmanyam Jaishankar, que o assunto das vacinas estava muito politizado e criticou "um governador" (de São Paulo, João Doria) por estar comprando a "vacina dos chineses" e querer obrigar todos a se vacinarem.
Diplomatas indianos reagiram com perplexidade enquanto Ernesto teria criticado o "globalismo" da Organização Mundial de Saúde e os fracassos da entidade na pandemia, dizendo que a OMS agia como se fosse parte de um governo global e os países não conseguissem lidar com a pandemia nacionalmente.
Além disso, para mais perplexidade dos indianos, o chanceler brasileiro fez comentários sobre a eleição americana, que tinha sido realizada em 3 de novembro e foi vencida por Joe Biden. Ernesto disse achar que Trump ainda tinha chances de reverter a derrota.
Auxiliares do presidente Bolsonaro estavam culpando Ernesto pelo fiasco na busca das vacinas na Índia. O governo vinha tentando antecipar desde dezembro um lote de 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca produzidas em um laboratório indiano. O objetivo era que as doses fossem usadas para dar o pontapé na campanha de vacinação no Brasil - antes que o governador João Dória iniciasse a imunização em São Paulo com a chinesa Coronavac.
O governo chegou a anunciar no dia 14 que um avião partiria para Mumbai para buscar o imunizante , mas teve de voltar atrás, após a Índia reiterar que iria primeiro iniciar a vacinação da população indiana, o que ocorreu dia 16 de janeiro. Depois, o país anunciou que distribuiria doses gratuitas da vacina a países vizinhos.
Só nesta quinta-feira (21) o governo indiano deu a luz verde e o Palácio do Planalto informou o carregamento de 2 milhões de doses deve chegar ao Brasil no fim da tarde de sexta (22) em um voo comercial da companhia Emirates.
Auxiliares de Bolsonaro acham que Ernesto não fez uma estimativa realista de quando a Índia liberaria as vacinas.
No entanto, dentro do Itamaraty, a visão é que o Ministério da Saúde, pressionado pelo Planalto, precipitou-se ao anunciar o voo para India, no afã de derrotar Doria na guerra da vacina. O chanceler teria feito todos os esforços diplomáticos possíveis, conversando diversas vezes com o chanceler indiano e o embaixador. A embaixada do Brasil na Índia, na pessoa do embaixador André Correa do Lago, também teria se desdobrado.
Procurado, o Itamaraty afirmou que o ministro e seu contraparte indiano "conversam frequentemente sobre diversos tópicos econômicos, do Brics, multilaterais, e de cooperação, mas que as especificidades técnicas sobre a vacina são tratadas pelas áreas técnicas dos dois governos".
Ernesto foi duramente criticado por assessores de Bolsonaro por causa do fracasso O atraso na operação de envio de um avião para recolher vacinas na Índia que tem sido apontado por auxiliares do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como corresponsável por episódios considerados vexames diplomáticos para o Brasil.
a derrota política de peso sofrida pelo Palácio do Planalto no fim de semana: o protagonismo praticamente isolado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), no início da vacinação no Brasil.
Em uma entrevista na segunda-feira (18), o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, Foram várias as gestões diplomáticas. Bolsonaro enviou uma carta ao premiê Narendra Modi em 8 de janeiro pedindo urgência na concessão da autorização e, dias depois, Araújo telefonou para seu contraparte no país asiático.
A principal crítica contra Araújo é que ele deveria ter sido claro sobre as dificuldades políticas para que a Índia desse luz verde para a venda, uma vez que Nova Déli não quis possibilitar a venda antes de iniciar a sua própria campanha de vacinação -algo que ocorreu no sábado (16).
Além do mais, os indianos estabeleceram um plano que prevê o envio de doses primeiro para nações vizinhas (Butão, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e Seychelles). Pessoas que acompanharam as conversas ressaltaram que a ampla publicidade dada pelo governo -que chegou a adesivar o avião que realizaria a viagem- foram um obstáculo adicional nas negociações.
O chanceler de Bolsonaro também virou alvo de queixas diante do risco de o país ver atrasada a produção de vacinas sem a chegada de matéria prima proveniente da China.