Bolsonaro afaga China e agradece liberação de insumo para Coronavac
Autoridades do país asiático autorizaram a exportação de 5.400 litros de insumos do imunizante da chinesa Sinovac
Pressionado pelo atraso no início da vacinação no Brasil e pela queda em sua popularidade, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afagou nesta segunda (25) o governo chinês –frequentemente atacado por uma ala do bolsonarismo– por ter dado sinal verde ao envio de um lote de insumos da Coronavac.
O presidente ainda agradeceu a colaboração da China. Autoridades do país asiático autorizaram a exportação de 5.400 litros de insumos do imunizante da chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
Em outra frente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a vacinação em massa no país. Segundo ele, a imunização é fundamental para a retomada da atividade econômica.
O lote de IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) liberado pela China deve ser suficiente para a fabricação de 8,5 milhões de doses da Coronavac. Bolsonaro já chamou o imunizante de "a vacina chinesa do Doria", em referência ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
A autorização foi celebrada por Bolsonaro no Twitter. A atitude marca uma mudança na retórica anti-China que o presidente e a ala ideológica vinham protagonizando, com declarações vistas como ofensivas por Pequim.
"A Embaixada da China nos informou, pela manhã, que a exportação dos 5,4 mil litros de insumos para a vacina Coronavac foi aprovada e já estão em área aeroportuária para pronto envio ao Brasil, chegando nos próximos dias", escreveu o presidente.
"Assim também os insumos da vacina AstraZeneca estão com liberação sendo acelerada. Agradeço a sensibilidade do governo chinês, bem como o empenho dos ministros Ernesto Araújo [Relações Exteriores], Eduardo Pazuello [Saúde] e Tereza Cristina [Agricultura]."
O ministro da Saúde disse que a expectativa é que a matéria-prima chegue ao Brasil até o final desta semana.
A Coronavac está no centro da chamada "guerra da vacina" entre Doria e Bolsonaro. Ao longo de 2020, o presidente atacou a Coronavac em mais de uma ocasião. Ele disse que a vacina não transmitia confiança por sua origem e garantiu que o governo não a compraria.
Porém, a pressão de governadores e as críticas de falta de planejamento da campanha brasileira de imunização levaram o Ministério da Saúde a anunciar a compra de 100 milhões de doses da vacina.
Após o anúncio por Bolsonaro, Doria reagiu e afirmou que a liberação do envio do insumo não foi obra do governo federal (leia texto nesta pág).
Doria é o principal fiador do acordo entre o Butantan e o laboratório Sinovac e, no dia 17 de janeiro, garantiu uma vitória política sobre Bolsonaro ao iniciar a vacinação em São Paulo com a Coronavac.
O governo federal queria dar o pontapé da imunização com 2 milhões de doses da Oxford/AstraZeneca trazidas da Índia. No entanto, a importação atrasou em uma semana, garantindo o protagonismo do tucano.
Bolsonaro vinha apostando na vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a empresa AstraZeneca. No Brasil, o imunizante será produzido pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Tanto a Coronavac quanto a Oxford/AstraZeneca estão com seus cronogramas ameaçados por dificuldades de acessar matérias-primas fabricadas na China. A Fiocruz afirmou que ainda não tem data para a saída de seu lote de IFA, que será suficiente para a produção de 7,4 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19.
Nos últimos dias, ministros do governo e Doria fizeram apelos a autoridades chinesas para que os IFAs que estavam retidos no país asiático fossem liberados.
O histórico de ofensas à China de aliados do presidente brasileiro –entre eles seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal, e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub– foram apontados como obstáculos para o aval de Pequim.
Além disso, Ernesto tem péssima interlocução com a missão diplomática chinesa em Brasília, outro empecilho para as negociações.
Diante do risco de atraso no cronograma de produção do Butantan e da Fiocruz, o governo mobilizou ministros que têm boas relações com a China para tentar agilizar os trâmites necessários.
Auxiliares relataram que a principal interlocutora entre a missão diplomática chinesa em Brasília e o Palácio do Planalto foi Tereza Cristina. Em sua pasta, ela supervisiona as vultuosas exportações do agronegócio.
Ernesto também buscou desfazer o mal-estar criado com as autoridades chinesas por falas passadas e por ter repreendido o embaixador chinês, Yang Wanming, numa troca de acusações com Eduardo Bolsonaro.
Em 15 de janeiro, Ernesto enviou uma carta ao chanceler chinês, Wang Yi, destacando a importância da cooperação entre os dois governos. O documento destaca conversas anteriores de autoridades das duas nações e faz um apelo para que Pequim desse a autorização para as exportações.
A expectativa de diplomatas e assessores militares é que as dificuldades enfrentadas na semana passada –sejam elas uma retaliação política, sejam apenas reflexo da falta de interlocução do Itamaraty com a China– marquem o início de uma política mais pragmática com o país asiático.
Embora as mensagens publicadas por Bolsonaro indiquem que a retórica anti-China deve perder espaço, assessores lembram que os ataques costumam partir de expoentes da ala ideológica, principalmente de Eduardo Bolsonaro.
O embaixador da China no Brasil comentou o anúncio feito por Bolsonaro nas redes sociais. "A China está junto com o Brasil na luta contra a pandemia e continuará a ajudar o Brasil neste combate dentro do seu alcance. A união e a solidariedade são os caminhos corretos para vencer a pandemia", escreveu o diplomata.
Guedes defendeu ainda nesta segunda a vacinação em massa, dizendo que esse será um fator decisivo para o retorno seguro da população ao trabalho e para o desempenho da atividade em 2021.
"Neste terceiro ano [de governo], o grande desafio é a vacinação em massa. Espero que todos auxiliem esse processo", afirmou em breve comentário sobre os dados da arrecadação federal. "A vacinação em massa é decisiva e um fator crítico de sucesso para o bom desempenho da economia logo à frente", disse. Bolsonaro já deu diversas declarações questionando a eficácia de vacinas e disse que não pretende se imunizar.
A crise em Manaus e o atraso na vacinação se refletiram numa queda de popularidade do presidente, que segundo o último Datafolha teve o maior recuo nominal desde o começo do governo.
O levantamento mostrou que o presidente é avaliado como ruim ou péssimo por 40% da população, ante 32% que assim o consideravam na rodada anterior (dezembro). Já quem acha o presidente ótimo ou bom passou de 37% para 31% na nova pesquisa, feita nos dias 20 e 21 de janeiro.