Tarcísio Pereira: memória afetiva da cultura pernambucana
Livreiro fundador da Livro 7, morto em decorrência da Covid-19, deixa legado de amor pela literatura a gerações da cultura do Estado
A ebulição cultural dos arredores da Sete de Setembro, no Centro do Recife, ainda ecoa na memória afetiva de uma geração que percorreu a rua e suas cercanias tomadas por teatro, música, cinema e literatura.
Como protagonista dos tempos áureos das estantes e gôndolas ocupadas por romances, contos, ensaios e poemas, o livreiro Tarcísio Pereira recepcionava os frequentadores, esbanjava contentamento pelo espaço e circulava por seus corredores com a leveza característica de quem percorre o seu próprio mundo.
A Livro 7 era o seu habitat natural e se tornaria também por pelo menos três décadas, o universo de multidões fascinadas pelo reduto efervescente da livraria criada por ele ainda na década de 1970.
Tarcísio, que nos últimos tempos estava à frente da Superintendência de Marketing e Vendas da Cepe Editora, se foi ontem, aos 73 anos, após semanas de luta contra a Covid-19 e complicações em decorrência da doença, entre elas um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
“Ele lutou bravamente por mais de sessenta duas, como sempre lutou por tudo aquilo em que acreditava – livros, talentos, cultura nordestina”, pontuou Joana Carolina Lins Pereira, uma de suas filhas.
Para o jornalista Ricardo Leitão, presidente da Cepe e amigo de mais de cinco décadas do visionário criador da Livro 7, o fato é triste para a cultura pernambucana. “Perdemos todos com a partida de Tarcísio”, complementou ele, que acompanhou o início da empreitada literária quando a livraria ainda ocupava um espaço mínimo de 20m em uma galeria na Rua Sete de Setembro, até se tornar a maior livraria do Brasil em tamanho (1200m) e em número de exemplares (60 mil).
Fechada em 2000, o reduto perdura nas lembranças da hoje advogada baiana Manuela Alves, estudante do então segundo grau em um colégio dos arredores.
“Era praxe entrar na Livro 7 sempre que saíamos da aula, e nem era preciso comprar um livro, porque o sentar naquele ambiente, ser recebida por ele que sempre tinha alguma indicação de leitura, nos fazia sair de lá com a sensação de que só com aquele movimento havíamos aprendido alguma coisa.
E foi de lá, também, meu primeiro cartão (de compras), o CredSete. Era especial gastar com Cultura naquela época”, rememora a advogada que seguiu frequentando o espaço durante a universidade, assim como outras centenas de acadêmicos da época que, impulsionados pelo espírito de paixão de Tarcísio, se tornariam ávidos leitores e propagadores culturais.
Geração de 65, Sidney Sheldon e Alceu Valença
Foi com uma toalha de mesa erguida em uma vassoura e o frenesi do Carnaval da década de 1970 no Recife, que o bloco “Nois Sofre Mas Nois Goza” ganhou vida nos sábados de Zé Pereira.
À frente do rebuliço de fazer folia nas ruas em tempos de ditadura, estavam Tarcísio e os poetas da chamada Geração de 65, frequentadores assíduos da livraria que também formou fila para receber o best-seller da época, o escritor americano Sydney Sheldon.
Ponto de encontro de intelectuais e de ‘fazedores de cultura’, o acolhimento do espaço também era extensível a exposições e tardes de autógrafos de lançamentos que “precisavam” passar pela Livro 7.
O espaço também formou gerações da música, com nomes como Alceu Valença e Robertinho do Recife protagonizando apresentações intimistas em um palco criado para incrementar um já consolidado espaço, que acolheu e amplificou oportunidades para muitos que seguiram pelo pomposo e belo universo da arte, o tanto quanto se tornou Tarcísio Pereira que assim como a livraria que criou, também se tornou integrante da memória afetiva pernambucana.