Divididos, caminhoneiros tentam fazer nova greve na semana que vem
O intuito é de pressionar o governo federal a negociar uma pauta com dez exigências
Entidades que representam caminhoneiros prometem iniciar uma greve na segunda-feira (1º) para pressionar o governo federal a negociar uma pauta com dez exigências, em uma tentativa de repetir o movimento que, em 2018, parou o país por 11 dias e deu origem à tabela de preços mínimos para os fretes rodoviários.
A realização da paralisação, no entanto, não é consenso na categoria, e enfrenta oposição em grupos patronais e do setor produtivo. Prestes a começar o escoamento das safras de milho e soja, o agronegócio -que apoiou o movimento de 2018- diz que obstruir a logística neste momento seria irresponsável.
Pelo menos quatro entidades anunciaram participação e estão convocando caminhoneiros a não pegar a estrada na semana que vem.
Para os que estiverem fora de suas cidades, os sindicatos, confederações e associações estão sugerindo que os motoristas busquem postos de parada, encostem os caminhões e conversem com outros.
Lideranças dizem acreditar que em até três dias conseguirão que 80% dos motoristas autônomos deixem suas boleias e participem da mobilização.
Confirmaram adesão à greve CNTRC (Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas), criado no ano passado, CNTTL (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística), ANTB (Associação Nacional de Transporte no Brasil) e Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores).
A pauta de reivindicações traz questões como a necessidade de um marco regulatório do transporte e de uma jornada de trabalho para esse tipo de função.
Entre as lideranças, porém, são listados como "a gota d'água" para a mobilização marcada a falta de efetividade da aplicação do piso mínimo de frete, o preço do óleo diesel e as regras para a aposentadoria de motoristas -somente os que conduzem material inflamável conseguem enquadramento especial junto ao INSS.
Falta também fiscalização da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para o cumprimento do piso do frete, dizem. Os motoristas alegam que o piso não é um tabelamento, mas uma garantia de que os custos mínimos da viagem serão pagos.
Em um percurso de quase 600 quilômetros entre Ijuí e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, o motorista recebe R$ 35 pelo frete; se o piso fosse aplicado, ele deveria receber R$ 72, segundo o porta-voz da CNTTL, Carlos Alberto Litti Dahmer.
"Há uma disparidade entre os ganhos do setor agrícola, e que é merecido, e dos caminhoneiros. Só que até hoje eu não vi navio atracar na lavoura. Em algum momento da produção, é do caminhão que eles precisam", disse.
Para os grupos contrários à paralisação, o momento é inoportuno. A CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos) divulgou nota em que diz reconhecer as dificuldades enfrentadas pelos motoristas, mas descarta a paralisação devido à "delicada realidade que o país está passando".
Até entre os que participaram do movimento anterior há discordância quanto à paralisação.
José da Fonseca Lopes, presidente da Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros), da Conftaq (Confederação Nacional dos Caminhoneiros e Transportadores Autônomos de Bens e Cargas), e um dos líderes do movimento de 2018, diz acreditar que a paralisação deste ano não terá força.
"O momento não é adequado por causa da pandemia. Já estamos em uma situação de desgraça, imagina fazer aglomeração, ficar sem combustível, sem alimentação", disse. Segundo ele, as entidades que comanda representam 65 sindicatos.
Já Wallace Landim, o Chorão da greve de 2018 e atual presidente da Abrava, que convoca a paralisação, diz que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) trata os caminhoneiros com descaso e falta de respeito.
Na sexta (29), um operador de exportações disse à Reuters que a greve preocupa, mas que as informações que chegam ao setor são de que o movimento não terá a mesma força, pois não tem o apoio da sociedade para realizar bloqueios.
Segundo Plínio Dias, do conselho de transporte, não estão previstos fechamento de rodovias. Se isso acontecer, segundo ele, partirá de grupos isolados.
Associações, cooperativas e sindicatos que atuam na Baixada Santista divulgaram na quinta (28) nota e vídeo no qual duas lideranças, uma de Santos e outra do Guarujá, dizem ter decidido não participar do movimento. As reivindicações, afirmam, são justas, mas o momento é inoportuno.
Gilberto Benzi, que foi candidato a vice-prefeito pelo PSL em chapa derrotada no ano passado, aparece junto aos caminhoneiros.
Outra figura política que se manifestou contra a mobilização foi o deputado distrital pelo Distrito Federal Valdelino Barcelos (PP). Caminhoneiro, ele esteve na greve de 2018. Em publicação em suas redes sociais, o parlamentar afirma não apoiar a paralisação, que poderia levar o país a uma crise mais profunda.
A existência de vozes contrárias ao movimento é vista como natural por Luis Fernando Ribeiro Galvão, representante do conselho em São Paulo e presidente do Sindicato dos Motoristas Autônomos de Guarulhos. Para ele, é reflexo de uma disputa política pelo protagonismo do movimento.
"Quem nos pediu para fazer [a greve] foram os próprios motoristas porque eles não estão aguentando mais", disse. O apoio ao presidente, no entanto, continua firme entre os motoristas, segundo ele.
"Continuamos apoiando Bolsonaro, mas nossa situação é de fome."
Grupos patronais, como a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística e a CNT (Confederação Nacional do Transporte) também divulgaram notas contrárias à paralisação.
O Ministério da Infraestrutura disse, em nota, que tem uma agenda permanente de diálogo com as principais entidades representativas da categoria por meio do Fórum do Transporte Rodoviário de Cargas.