Golpe de estado

Itamaraty não chama de golpe militar a tomada de poder em Myanmar

Militares derrubaram o governo democrático do país asiático na segunda-feira (1º), e prendeu Aung San Suu Kyi, o presidente do país

Os militares de Myanmar deteram o líder do país, Aung San Suu Kyi - STR/AFP

O Itamaraty publicou uma nota diplomática nesta terça-feira (2) em que não se refere ao golpe de Estado em Myanmar como golpe, nem menciona opositores presos pela junta militar, entre eles a vencedora do prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, líder civil de facto do país.

Na nota, o ministério afirma que acompanha "atentamente os desdobramentos da decretação do estado de emergência em Myanmar" e diz que o Brasil tem a expectativa de "um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do estado de direito."

Militares derrubaram o governo democrático do país asiático na segunda-feira (1º), e prendeu Aung San Suu Kyi, o presidente do país, autoridades e políticos da oposição.


Os Estados Unidos determinaram formalmente nesta terça que a tomada de poder pelos militares configura um "golpe de estado", uma designação que exige que o país corte toda sua ajuda externa à nação asiática.
 
"Depois de cuidadosa análise dos fatos, nós chegamos à conclusão que Aung San Suu Kyi, a líder do partido governante em Myanmar, foi deposta em um golpe militar em 1 de fevereiro", disse um porta-voz do Departamento de Estado a repórteres. "Exortamos que a liderança militar de Myanmar liberte todos os integrantes da sociedade civil e políticos líderes imediatamente."

Indagado se considera a tomada de poder em Myanmar um golpe militar, o Itamaraty afirmou apenas esperar "um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do estado de direito", repetindo a linguagem da nota.
Segundo diplomatas, o Itamaraty, por tradição, não interfere em assuntos internos de outros países e, por isso, não usa termos fortes como golpe e presos políticos.

No entanto, em notas diplomáticas sobre a Venezuela e Bolívia, por exemplo, o ministério usou linguagem assertiva. "A repulsa popular após a tentativa de estelionato eleitoral (constatada pela OEA), o qual favoreceria Evo Morales, levou à sua deslegitimação como presidente e consequente clamor de amplos setores da sociedade boliviana por sua renúncia", disse o Itamaraty em nota de 12 de novembro de 2019, ao negar que a deposição de Morales tivesse sido um "golpe".
 
E continua: "A renúncia de Evo Morales abriu caminho para a preservação da ordem democrática, a qual se veria ameaçada pela permanência no poder de um presidente beneficiado por fraude eleitoral.
"
Sobre a ditadura na Venezuela, em nota do Grupo de Lima de abril de 2019, o Itamaraty pedia a "liberação imediata dos presos políticos".

A nota é alvo de críticas de entidades de direitos humanos.

"A Constituição brasileira determina que, na condução das relações internacionais, deve haver prevalência dos direitos humanos", disse Juana Kweitel, diretora executiva da Conectas Direitos Humanos. "A nota oficial do Itamaraty sobre a situação em Myanmar, ao não condenar o golpe militar nem a prisão de ativistas e vozes contrárias, vai na contramão dessa determinação constitucional."