EUA apoiam nigeriana, que deve se tornar 1ª mulher a dirigir OMC
Organização está sem diretor-geral titular desde julho, quando o brasileiro Roberto Azevêdo deixou o cargo
Em mais uma guinada de 180 graus em relação à gestão do ex-presidente Donald Trump, o governo americano anunciou "forte apoio" à candidatura da nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), praticamente selando sua escolha. A organização está sem diretor-geral titular desde julho, quando o brasileiro Roberto Azevêdo deixou o cargo, um ano antes do final de seu mandato.
A economista era preferida pela maioria dos 164 membros da entidade que regula o comércio internacional, mas uma manobra do governo Trump, que manteve seu apoio à ministra do Comércio da Coreia do Sul, Yoo Myung-hee, travou em outubro o processo de seleção, geralmente feito por consenso.
Na última sexta (5), Yoo anunciou que estava retirando sua candidatura, após "consulta com os principais países, como os Estados Unidos". O novo presidente americano, Joe Biden, já havia prometido fortalecer organizações multilaterais e reverter políticas de seu antecessor e, após sua posse, os EUA apoiaram uma declaração pedindo "a rápida nomeação de um novo diretor-geral da OMC" e a confirmação do evento mais importante da entidade, a 12ª Conferência Ministerial.
O apoio à economista nigeriana foi a primeira declaração pública do departamento comercial americano sob a gestão Biden. "Okonjo-Iweala traz uma riqueza de conhecimento em economia e diplomacia internacional de seus 25 anos com o Banco Mundial e dois mandatos como ministra das Finanças da Nigéria", disse o comunicado divulgado na sexta, rebatendo o argumento do governo Trump de que a candidata era inexperiente em comércio.
A declaração americana também reforça o argumento de Okonjo-Iweala ao defender sua candidatura, de que a OMC precisa agora - mais do que de domínio técnico - de alguém com capacidade de negociação. "Ela é amplamente respeitada por sua liderança eficaz e tem experiência comprovada no gerenciamento de uma grande organização internacional com diversos membros", afirma o texto.
Uma reunião ordinária do conselho geral da OMC está marcada para os dias 1º e 2 de março, e uma reunião extraordinária pode ser convocada em curto prazo, segundo a entidade. Mas a expectativa da OMC é que a decisão final ocorra depois da confirmação, pelo Senado americano, do novo representante de Comércio dos EUA.
Biden já indicou para o cargo a conselheira comercial Katherine Tai, mas não há prazo estabelecido para a sabatina - o mais provável é que isso não ocorra nas próximas duas semanas, por causa da tramitação do impeachment do ex-presidente.
Quando tomar posse, Okonjo-Iweala será a primeira mulher e a primeira africana a dirigir a OMC. Um dos principais desafios de sua gestão será reformar a estrutura regulatória da entidade para resolver lacunas apontadas por diversos membros e, principalmente, pelos os Estados Unidos (antes, inclusive, da gestão Trump).
Entre as principais críticas estão a de que a OMC permitiu que a China se beneficiasse do sistema de comércio internacional para se transformar em uma potência exportadora, mas não foi capaz de frear mecanismos chineses vistos como competição desleal, como os subsídios do Estado às empresas do país.
OS ENTRAVES À OMC DEIXADOS POR TRUMP
Órgão de Apelação
O quê - Trump bloqueou a indicação de membros do órgão de apelação que analisa as decisões iniciais sobre controvérsias. Sem novas nomeações para substituir mandatos que expiraram, o órgão não tem o mínimo de 3 do total de 7 juízes para ouvir um caso
Por quê - Assim como a gestão Obama, Trump apontou práticas irregulares do órgão de apelação, como ultrapassar os prazos de decisão sem pedir autorização às partes, ou manter membros em um caso mesmo ao final de seu mandato. Sob Trump, os EUA propunham substituí-lo por arbitragem bilateral, sem estabelecer precedentes, mas isso poderia favorecer partes mais fortes. Os EUA também se consideram prejudicados em análises sobre seus mecanismos de combate a dumping
Efeito - na prática, o braço de soluções de controvérsia da OMC foi imobilizado e o de negociações comerciais foi afetado, por causa da insegurança jurídica. Um mecanismo paralelo foi criado, mas usá-lo deixa aberta a porta para que a parte vencida conteste a decisão
Como resolver - questões técnicas podem ser resolvidas com mandatos mais longos do membros, por exemplo. Para temas mais políticos, como o das medidas antidumping, será preciso acordo. O economista Peter Morici, por exemplo, professor da Universidade de Maryland, propôs que Biden retomasse a nomeação de juízes, condicionada a uma exceção americana para solução de controvérsias com a China, para forçar uma solução ao protecionismo estatal do país asiático.
Guerras comerciais
O quê - O governo Trump deu as costas aos acordos multilaterais e ao papel da OMC para negociar regras e julgar disputas; iniciou guerras comerciais e priorizou acordos bilaterais, que tendem a favorecer a nação mais forte
Por quê - mesmo antes de Trump, os EUA veem favorecimento à China, que continua a desfrutar de tratamento preferencial garantido a países em desenvolvimento, em detrimento aos interesses americanos em decisões da OMC. Uma gota d'água foi decisão contra subsídios americanos a painéis solares nacionais, sob o argumento de que eram injustos com fornecedores estrangeiros, apesar de subsídios dados pela China a seus produtores
Efeito - Reduziu o poder político da OMC
Como resolver - abrir dentro da entidade a discussão sobre como financiar a recuperação da economia de forma sustentável sem ferir regras da OMC
Novo diretor-geral
O quê - A gestão Trump negou apoio à economista nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, impedindo consenso na escolha do novo diretor-geral. Em outubro de 2020, a decisão foi adiada, à espera das eleições americanas
Por quê - Os EUA afirmaram que Okonjo-Iweala não tem experiência em comércio internacional, e por isso mantiveram seu voto na sul-coreana Yoo Myung-hee. Um hipótese foi a de que a gestão Trump a considera próxima demais do ex-representante comercial Robert Zoellick, com quem trabalhou no Banco Mundial. Um terceiro motivo seria simplesmente enfraquecer a OMC
Efeitos - aprofundou a crise política por que passa a OMC
Como resolver - a retirada de Yoo e o apoio dos EUA abrem caminho para a escolha de Okonjo-Iweala, mas ainda é preciso reunião de membros e consenso entre eles
PRINCIPAIS CASOS DO BRASIL NA OMC
Embraer-Bombardier
O embate entre as duas empresas começou em 1996, quando a empresa canadense questionou junto à OMC os subsídios concedidos à Embraer por meio do programa "PROEX-Equalização". Em resposta, o Brasil iniciou disputa contra o Canadá em razão dos subsídios concedidos pela província de Quebec à Bombardier. O Brasil obteve autorização para retaliar o Canadá em montante semelhante àquele que havia sido obtido pelo governo canadense contra o Brasil. Isso levou os países à mesa de negociação, o que resultou, em 2007, na revisão das regras de crédito de exportação de aeronaves. Em 2017, o Brasil entrou com nova queixa.
Estados Unidos/Algodão
O Brasil questionou os subsídios concedidos pelos EUA à produção doméstica e à exportação de algodão no período 1999-2002. Diante da recusa americana em cumprir as decisões do Órgão de Apelação da OMC, o Brasil obteve o direito de retaliar os EUA, no valor de US$ 829 milhões para o ano de 2009. Os EUA acordaram em pagar ao Brasil compensação com recursos destinados a projetos de desenvolvimento e modernização da cotonicultura brasileira.
Incentivos à indústria brasileira
Em 2016, a OMC considerou ilegais alguns programas de política industrial brasileira, questionados por União Europeia e Japão, e determinou o encerramento deles. Parte dos programas acabou no governo Michel Temer, como PATVD (televisão digital), Inclusão Digital (venda no varejo de alguns produtos de informática) e Inovar Auto (setor automotivo). A lista também incluiu a Lei de Informática e o PADIS (semicondutores).