EUA/BRASIL

Primeiras ações de Biden sobre Amazônia não devem envolver sanções ao Brasil

Os auxiliares de Biden reconhecem que Bolsonaro diverge do democrata em muitos assuntos, principalmente sobre meio ambiente e direitos humanos

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden - Mandel Ngan/AFP

As primeiras ações do governo Joe Biden em relação à proteção da Amazônia serão tratadas com diálogo e não devem envolver sanções contra o Brasil.

Apesar da pressão da ala progressista do Partido Democrata e de ativistas que pedem medidas punitivas contra a gestão de Jair Bolsonaro, a ordem na Casa Branca é apostar em um plano colaborativo para a preservação da floresta, antes de aplicar qualquer punição ao país.

A orientação de Biden é que o Tesouro americano, junto com o Departamento de Estado e as agências para desenvolvimento e cooperação internacional -nas siglas em inglês, USAID e DFC- desenvolvam um programa para a proteção da Amazônia, em parceria com o governo brasileiro e demais países interessados.

Os auxiliares de Biden reconhecem que Bolsonaro diverge do democrata em muitos assuntos, principalmente sobre meio ambiente e direitos humanos, mas acreditam que o histórico da relação bilateral em outras áreas, como defesa e comércio, pode pavimentar o caminho para um possível entendimento.

"Na relação bilateral entre Brasil e EUA a diplomacia estará à frente para qualquer tema, incluindo a questão climática", afirma Kristina Rosales, porta-voz do Departamento de Estado americano.

"Vai haver possibilidade de interagir com o presidente Bolsonaro e sua equipe para tratar desse desafio global e, dessa forma, incluir o conceito de diálogo para tratar problemas. Esse problema não é só do Brasil ou dos EUA, é algo que o governo Biden vai tratar como cooperação global. Vai ser um trabalho em equipe."

Nas negociações, o time de Biden pretende sinalizar as preocupações do governo americano em relação aos gargalos do Brasil e não descarta medidas mais assertivas no futuro. Nada disso, porém, vai acontecer antes de haver conversas em vários níveis diplomáticos, na tentativa de formatar um plano sem grandes desgastes.

"O objetivo é tratar desse tema diplomaticamente. Como o presidente Biden disse na semana passada, a política externa desse governo é baseada em ter conversas. Isso significa que nenhuma atitude será tomada sem conversa, porque isso não é diplomacia, isso é ser agressivo, e esse governo não tratará esse ou qualquer outro tema dessa forma", completa Rosales.

A postura não agrada completamente aos ativistas ou à ala progressista dos democratas, que têm exigido atitudes mais contundentes contra o governo brasileiro desde a gestão de Donald Trump.

O deputado democrata Don Beyer (Virgínia), por exemplo, é um dos que dizem que Biden precisa fazer "tudo ao seu alcance" para garantir que os parceiros comerciais enfrentem a crise climática.

À reportagem Beyer afirmou que Bolsonaro precisa "superar sua decepção óbvia com o resultado da nossa eleição de novembro e adotar uma postura em relação aos EUA que reflita as novas realidades de Washington".

Integrante da Comissão de Orçamento e Assuntos Tributários da Câmara dos EUA e uma das principais vozes sobre o clima na Casa, Beyer assinou no ano passado uma carta com outros deputados democratas que diziam-se contrários ao fechamento de um acordo comercial mais amplo entre Brasil e EUA.

"Devemos promover um relacionamento com o Brasil que avance os direitos civis, humanos, ambientais e trabalhistas. Qualquer parceria econômica deve demonstrar nossas prioridades nessas áreas -nas quais o governo Bolsonaro tem estado menos do que comprometido até agora. Como resultado, temos consistentemente nos oposto a novos acordos com o Brasil", completou o deputado.

Na semana passada, diversas ONGs internacionais e acadêmicos de universidades americanas enviaram à Casa Branca um documento pedindo que Biden interrompa as negociações comerciais com o Brasil e retire o apoio dos EUA à entrada brasileira na OCDE caso Bolsonaro não respeite os compromissos ambientais e de direitos humanos.

Nesta segunda-feira (8), a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse que o governo americano está olhando para o que acontece no Brasil, mas chamou a relação bilateral de vibrante, com 200 anos "de valores compartilhados", e destacou que os EUA vão fortalecer os laços econômicos com o país.

Biden e Bolsonaro ainda não conversaram por telefone, e não há data para que isso aconteça. Já o secretário de Estado americano, Antony Blinken, deve falar com o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, nas próximas semanas para debater as prioridades da relação entre os países.

Biden nomeou John Kerry, ex-secretário de Estado do governo Obama, como seu representante especial para questões climáticas, colocando o tema no centro de sua política interna e externa.

Chamado de Czar do Clima, Kerry tem perfil diplomático e seus aliados dizem que ele já não tinha a intenção de entrar em choque com o governo brasileiro de saída.

Mas isso não significa que não haverá cobranças. Uma das ideias é que haja um fundo de financiamento em troca do comprometimento com metas de preservação da Amazônia.

Durante um debate eleitoral no ano passado, Biden já havia falado em criar um fundo de US$ 20 bilhões para combater o desmatamento da floresta, e citado consequências ao Brasil caso o governo brasileiro não tomasse atitudes contra a destruição da região. À época, Bolsonaro reagiu e disse que não aceitava suborno.

Depois da posse do democrata, diplomatas e a ala militar do Planalto entraram em campo para tentar baixar a temperatura e abrir canais de diálogo com o governo Biden.

O embaixador do Brasil nos EUA, Nestor Forster, diz que não há diplomacia nova diante das prioridades do novo governo americano e que é preciso "continuar o trabalho que já estava sendo feito, com interlocução na Casa Branca e no Congresso, além do setor privado e sociedade".