Sensação de Guerra Fria no norte da Europa
Bombardeiros estratégicos da Força Aérea dos Estados Unidos pousarão em breve na Noruega
Bombardeiros estratégicos da Força Aérea dos Estados Unidos pousarão em breve na Noruega, mais um sinal da efervescência militar sem paralelo na região desde o fim da Guerra Fria.
Grande Norte, pequena tensão: um ditado antigo descreve a situação de segurança e as relações diplomáticas relativamente tranquilas no Ártico durante décadas.
Mas as crescentes tensões entre a Rússia e os países ocidentais, sobretudo desde a crise da Crimeia em 2014, levaram as partes a reforçar a presença militar até nesta região remota, que muitos acreditam rica em recursos naturais e onde o degelo abriu novas rotas marítimas.
Este mês, a base área de Ørland espera pela primeira vez a chegada de bombardeiros de longo alcance B-1B para o treinamento de algumas semanas com a Força Aérea da Noruega, que vigia a fronteira setentrional da Otan.
"Esta mobilização é parte do contexto de atividades militares globais no Grande Norte, que aumentaram significativamente nos últimos anos, tanto pelo Ocidente como pela Rússia", afirmou o pesquisador Kristian Åtland.
Para o analista do Instituto Norueguês de Pesquisas sobre a Defesa (FFI) "o fato de que são bombardeiros estratégicos provoca naturalmente preocupação na Rússia".
Moscou não esconde a preocupação por considerar que estes aviões podem, em determinadas circunstâncias, transportar armas atômicas.
"Ninguém no Ártico está se preparando para um conflito armado. Porém, há indícios de uma tensão crescente e de uma escalada militar", declarou o embaixador russo no Conselho Ártico, Nikolai Korchunov.
Esta militarização na região "pode nos levar aos dias da Guerra Fria", disse no início do mês.
Oslo minimiza a questão, especialmente quando a base em questão, localizada no coração da Noruega e abaixo do círculo polar ártico, fica a 1.200 quilômetros da fronteira com a Rússia.
"Ter nossos aliados treinando aqui ao nosso lado é um aspecto bem estabelecido e natural de nossa política de segurança e da cooperação dentro da Otan", explicou o ministro norueguês da Defesa, Frank Bakke-Jensen.
"A Rússia sabe e não tem motivos para sentir que está sendo provocada", afirmou em um e-mail à AFP.
Mas este não é um episódio isolado. A Noruega acaba de decidir colocar à disposição de seus aliados, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, um porto de abastecimento para seus submarinos de propulsão nuclear perto da cidade ártica de Tromsø.
Em 2009, a vizinha e outrora secreta base de Olavsvern, em uma montanha, foi fechada e vendida para a iniciativa privada pelo governo do então primeiro-ministro Jens Stoltenberg, atual secretário-geral da Otan.
Mas com o aumento das tensões na região foi detectada a necessidade de contar com uma base que consiga rastrear os submarinos russos que navegam pelo "Bear Gap", uma passagem obrigatória entre suas bases na península de Kola e as profundidades do Atlântico.
Com base na oposição da população local, o Greenpeace criticou a iniciativa de Oslo por considerar que "joga a roleta da Otan" com a natureza, a vida da população local e as relações com a Rússia.
O aumento da tensão também levou a vizinha Suécia - que não é membro da Aliança Atlântica - a anunciar o aumento de 40% do orçamento militar até 2025, o mais elevado desde os anos 1950, e a remilitarizar a ilha báltica de Gotland.
Rússia
Pela primeira vez desde a década de 1980, a Marinha americana enviou um porta-aviões ao mar da Noruega em 2018 e, um ano depois, vários navios à zona econômica exclusiva da Rússia no Mar de Barents.
A mudança de governo nos Estados Unidos não deve provocar alterações.
"Estados Unidos têm uma longa história de cooperação com a Rússia na região do Ártico e espero que possa continuar", disse o novo secretário de Defesa americano, Lloyd Austin.
O secretário, no entanto, expressou preocupação com o "reforço do exército russo na região e o comportamento agressivo da Rússia no Ártico e no mundo".
Em março de 2020, o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou o "reforço das capacidades militares" e a "criação e modernização das infraestruturas militares" no Ártico até 2035.
A poderosa Frota do Norte russa, com 86 navios, 42 deles submersíveis, foi a primeira a contar no verão passado com um submarino nuclear de quarta geração da classe Borey.
Abertura ou modernização de bases, testes de novos mísseis e drones, simulação de ataques contra pontos ocidentais, operações marítimas e aéreas cada vez mais afastadas exemplificam a política de reafirmação militar da Rússia.
No ano passado, os caças noruegueses decolaram de emergência em 50 ocasiões para identificar 96 aviões russos que voavam na costa do país.
Muito menos que os 500 ou 600 aviões soviéticos identificados anualmente em meados da década de 1980, durante a Guerra Fria, mas um número muito superior que a dezena de identificações que era a norma na primeira década do século XXI.