Justiça

Fachin abre divergência, e STF tem 4 votos contra e 1 a favor ao direito ao esquecimento

Os ministros Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Rosa Weber entenderam que criar esse instituto no país poderia botar em risco a liberdade de expressão

Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal - Rosinei Coutinho/SCO/STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) somou nesta quarta-feira (10) quatro votos contrários e um favorável à existência do direito ao esquecimento no Brasil. O julgamento foi interrompido e será retomado nesta quinta-feira (11) – se ao menos 2 dos 6 que faltam votar endossarem a avaliação predominante até agora, haverá maioria na corte contra a tese chamada de direito ao esquecimento.

Os ministros Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Rosa Weber entenderam que criar esse instituto no país poderia botar em risco a liberdade de expressão. O ministro Edson Fachin, por sua vez, divergiu e sustentou que o direito ao esquecimento pode ser reconhecido, desde que seja analisado caso a caso e aplicado apenas em situações excepcionais.

A maioria dos magistrados, porém, ressaltou que o ordenamento jurídico brasileiro já tem mecanismos para punir eventuais abusos e que não seria adequado autorizar o Judiciário a proibir um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade das pessoas envolvidas.


Prevalece até aqui o voto do relator, Dias Toffoli. O ministro sustentou que admitir a existência do direito ao esquecimento "seria uma restrição excessiva e peremptória à liberdade de expressão" e ao "direito dos cidadãos de se manterem informados de fatos relevantes da história social".

Na visão do magistrado, uma decisão no sentido oposto do Supremo seria incompatível com a Constituição e equivaleria a atribuir, "de forma absoluta e em abstrato", maior peso ao direito à imagem em detrimento da liberdade de expressão.
O julgamento ocorre em um recurso com repercussão geral, o que signifca que o entendimento fixado pela corte deverá ser seguido por todas as instâncias da Justiça.

O caso concreto em análise é um recurso movido por irmãos de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O programa Linha Direta, da TV Globo, exibiu, 50 anos depois, um episódio em que reconstituiu o crime. Os familiares dela, que foi violentada e assassinada e cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa à época, pedem uma indenização ao canal de televisão.

Kassio Nunes Marques foi o único a entender que os parentes dela deveriam, sim, receber uma indenização. Apesar de ter afirmado que não cabe reconhecer a existência do direito ao esquecimento no país, o ministro votou para remeter o caso novamente ao primeiro grau para que o juiz do caso decida o tamanho do valor a ser pago pela TV Globo à família a título de danos morais.

O magistrado disse que, embora não exista o direito de o fato ser esquecido, é necessário proteger vítimas de crimes, sobretudo sexuais. Nunes Marques ressaltou que para reconhecer a existência do instituto seria necessário aprovar uma legislação nesse sentido. Mas apontou a dificuldade que o Congresso teria para isso.

"Mesmo se o legislador resolver voltar a atenção para essa questão, ver-se-ia em problema muito complexo para estabelecer uma visão global do tema", afirmou, antes de assinalar os problemas que uma lei ambígua poderia gerar.

E completou: "Mesmo que se admita por interpretação constitucional que tal direito decorreria da Carta de 1988, da dignidade da pessoa humana, do direito à intimidade, à imagem e à privacidade, a verdade é que a heterogeneidade dos litígios e das soluções mostram que para ser reconhecido esse direito precisaria ser adequada institucionalizado".
O magistrado lembrou que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e outros tribunais do país já reconheceram o direito ao esquecimento e defendeu que as cortes poderiam ter dado outra solução para o tema.

"Poder-se-ia falar em abuso de direito de informar, no caso das emissoras de TV, do abuso do direito de punir, caso de registro criminal antigo, ou abuso da livre iniciativa, no caso de motores de busca", sustentou.

Moraes, por sua vez, disse que, independentemente do sofrimento causado ou da gravidade da situação, notícias antigas podem ser reproduzidas atualmente, desde que veiculadas de maneira séria, lícita, fidedigna e respeitosa.
O magistrado defendeu que quando a imprensa se excede ou há desvirtuamento dos fatos já há previsões de sanções na área cível e criminal.

"A solução para essa equação entre dignidade da pessoa humana, intimidade, vida privada e liberdades de expressão e de imprensa me parece que deva ser a aplicação, como em outros casos, o binômio constitucional consagrado na Constituição em relação à própria liberdade: liberdade e responsabilidade", disse.

O ministro argumentou que o direito ao esquecimento poderia representar uma censura prévia e que eventuais abusos devem ser analisados caso a caso.

"Passados 15 anos, não se pode tocar mais nesse assunto? Ora, a história não se apaga. Estaríamos interferindo. O Poder Judiciário estaria interferindo breve e diretamente na liberdade jornalística", disse.

Para Moraes, o direito ao esquecimento significaria censura prévia. Eventuais abusos, segundo ele, devem ser analisados caso a caso após a publicação ou veiculação da notícia ou informação.

Fachin foi na contramão da maioria e sustentou que a existência do esquecimento deve ser analisada caso a caso e aplicada apenas em casos excepcionais.

O ministro sustentou que a liberdade de expressão tem "posição de preferência na Constituição", mas que a Carta também prevê a preservação do "núcleo essencial dos direitos de personalidade".

"Diante da posição preferencial da liberdade de expressão no sistema constitucional brasileiro, as limitações a sua extensão parecem seguir um modelo em que, sob determinadas condições, o direito ao esquecimento deve funcionar como trunfo", defendeu.

Para o magistrado, a Justiça deve avaliar até que ponto determinado fato antigo exposto ao público invadiu a intimidade da pessoa envolvida.

"Independentemente do maior ou menor interesse que eventualmente tenham o indivíduo ou a sociedade, o juízo da corte deve recair sobre as condições de imanência ou transcendência da informação em relação à esfera individual", afirmou.
O ministro disse que o julgamento que declarou inconstitucional a Lei de Imprensa do período da ditadura previu que o direito de informação não poderia sofrer nenhuma restrição além daquelas dispostas no texto constitucional, mas ponderou:

"Como consequência, as ressalvas dos direitos da personalidade deveriam recair sobre um juízo de ponderação do poder judiciário, responsável por sopesar os conflitos de princípios diante das circunstâncias dos variados casos concretos".
Apesar disso, o ministro sustentou que a família de Aída Curi não tem o direito ao esquecimento porque as informações veiculadas no programa foram extraídas de reportagens da época e de documentos públicos.

Além disso, frisou que o caso ganhou uma "dimensão histórica" que não tem como ser esquecida.
Rosa Weber divergiu de Fachin e disse que seria um risco reconhecer a existência do direito ao esquecimento.
"Além de inconstitucional, a exacerbação do direito ao esquecimento é exemplo do tipo de mentalidade, que revestida de verniz jurídico, direta ou indiretamente contribui para, no longo prazo, manter um país culturalmente pobre, a sociedade moralmente imatura e a nação economicamente subdesenvolvida".