BBB21

'BBB 21' levanta debate sobre abuso e tortura psicológica; o que são e como identificar

Situações vivenciadas entre participantes do reality show da TV Globo chamam a atenção do público

Karol Conká e Arcrebiano Araújo: público vê abuso psicológico por parte da cantora - Reprodução/TV Globo

Xingamentos, acusações, críticas maldosas, ofensas, desprezo, ironias e ameaças veladas. Essas são algumas das características do abuso psicológico, tema em pauta no “Big Brother Brasil”, da TV Globo, a partir de situações vivenciadas por alguns dos participantes do reality show, que geraram debate nas redes sociais.

“O abuso psicológico é um comportamento no qual a gente subjuga e acontece quando uma pessoa submete e expõe a outra em determinada situação. É marcado pela relação de poder. Até um silêncio como mecanismo de punição para aquela pessoa pode ser considerado abuso”, explica o psicólogo Rui Gonçalves.

O comportamento da cantora Karol Conká no programa foi colocado em xeque pelo público. Cenas dela em que são apontados traços de comportamentos como persuasão e dissimulação ganharam repercussão nas redes sociais.
 

“Temos alguns exemplos, que culminaram com a desistência de um participante [Lucas, que abandonou o programa]. Precisamos [os psicólogos] tomar cuidado com essa análise, porque as pessoas que estão no Big Brother não são nossos pacientes ou clientes. O código de ética do psicólogo deixa claro que ‘ao psicólogo é vedado induzir convicções quando do exercício de suas funções profissionais’”, continua Rui.

Em uma conversa com o participante Arcrebiano Araújo, o público viu os indícios de abuso psicológico por parte de Karol Conká. Ela chamou o colega de confinamento de “covarde” por ter se omitido a entrar em uma discussão na festa da noite anterior.

"Eu era uma pessoa anônima, ninguém me conhecia, eu era muito feliz e agora estou triste", disse Arcrebiano. O brother até chegou a dizer que sairia do programa de cabeça erguida - ele foi eliminado na terça-feira (9). 

Indícios de tortura psicológica no programa também são apontados pelo público, como os que resultaram na desistência do participante Lucas Penteado. Ele, após beijar o pernambucano Gilberto Nogueira, viu seus companheiros de confinamento o provocarem a tal ponto que não resistiu à pressão e pediu para deixar o programa.

“A tortura é marcada por uma Lei, a 9.455/97. Ela fala sobre o crime de tortura e, nesse crime, no artigo 1, é citado o fato de ‘constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça causando-lhe sofrimento físico ou mental’”, acrescentou o psicólogo.

Essa Lei prevê pena de reclusão de dois a oito anos.

Danos e como identificar
Os danos do abuso psicológico para a pessoa são variados. “Ao contrário das patologias físicas, os distúrbios emocionais, de uma maneira geral, são muito difíceis de diagnosticar e necessitam de uma observação mais completa, mais densa”, explica Rui.

De uma maneira geral, quem sofre abuso psicológico tende a apresentar uma sintomatologia próxima à da depressão. “O abuso psicológico é um fator de predisposição a transtorno de ansiedade generalizada, depressão, e muitas vezes o suicídio. Por isso que falamos que atinge não só a saúde emocional, mas a física também”, segue o psicólogo.

“Costumamos enxergar em pacientes vítimas de abuso psicológico uma vontade de chorar, um medo muito grande, desinteresse em fazer qualquer coisa, perdem a capacidade de se divertir, de sentir prazer nas coisas que tinham antes”, elenca Rui como sintomas de quem sofre o abuso.

Quem observa pode intervir?
Todo mundo deve ser um promotor da saúde, independente da formação, explica o psicólogo. “Qualquer pessoa pode denunciar, mas intervir é para o profissional de saúde. É fundamental que se procure um psicólogo para que a gente possa ver quais são os desdobramentos disso na saúde emocional e então ver o caso para passar, caso necessário, para um psiquiatra para receitar medicação”, explica o psicólogo.

Em casos que envolvem crianças, idosos e mulheres, é preciso recorrer ao que é citado nos Estatutos da Criança e do Adolescente; e do Idoso; e a Lei Maria da Penha, respectivamente.

Tratamento
O primeiro tratamento é a psicoterapia para entender como se dá esse processo de abuso psicológico e de violência “Para podermos traçar um plano terapêutico precisamos ver como a pessoa está para poder de fato atuar. Dependendo, mas não em todos os casos, vamos precisar do apoio de um psiquiatra”, diz Rui. 

E quem quer ajudar alguém que sofre abuso psicológico, pode acolher e procurar um profissional de psicologia. “É o melhor caminho”, finaliza Rui.

É crime?
A Constituição Federal prevê o crime de tortura, mas a seara psicológica dessa conduta não possui um respaldo jurídico preciso, apesar da existência da Lei 9.455/97, o que indica, portanto, uma lacuna legislativa. 

“O juiz pode interpretar [a tortura psicológica] como crime. É um assunto difícil, muito novo”, explica o advogado criminalista Júlio Cezar Veloso. 

Em 2019, a Justiça de Florianópolis/SC determinou que um empresário pagasse indenização para a ex-mulher e a filha por danos morais em razão de histórico de abusos físicos e psicológicos praticados no meio familiar. 

“Não existe lei que expressa taxativamente que a tortura psicológica tenha uma pena. O juiz vai ter que fazer analogia a um outro código penal. O abuso não está expressamente na CF, que fala sobre o crime de tortura. Você vai ter que entender e interpretar”, acrescenta o advogado.

A Lei Maria da Penha, criada para defender mulheres, prevê violência psicológica como crime.

Júlio Cezar acredita que seja um caminho para o Direito a discussão sobre os temas. “Pode até virar proposta de Lei. O Direito não é uma ciência exata, tanto que tem juiz que entende de um jeito e juiz que entende de outro”, prossegue.