Conselho avalia que Petrobras está blindada e resistência à troca de comando perde força
A mudança de postura é fruto de um trabalho de convencimento feito pelo governo nos últimos dias
O conselho de administração da Petrobras avalia que mudança no estatuto da companhia feita em 2018 blinda a gestão contra interferências na política de preços dos combustíveis. A percepção reduziu a resistência inicial à troca no comando da estatal anunciada nesta sexta (21) pelo presidente Jair Bolsonaro.
Segundo a Folha apurou, a mudança de postura é fruto também de um trabalho de convencimento feito pelo governo nos últimos dias. A avaliação agora é que, ao invés de questionar a nomeação, será mais produtivo cobrar o cumprimento da política de preços da companhia.
O governo tem hoje sete indicados entre os onze conselheiros da Petrobras, mas cinco deles são executivos com experiência no mercado financeiro e na atuação em conselhos de administração. Apoiadores da gestão Roberto Castello Branco, eles chegaram a debater renúncia coletiva.
Agora, acreditam que a resistência pode ser uma batalha perdida que prejudicaria a empresa, já que o governo pode destituir os descontentes e substituí-los por nomes mais alinhados.
"A briga não é essa. A briga é para que qualquer pessoa que sente na cadeira de presidente da Petrobras respeite as regras de mercado, respeite os investidores, respeite a paridade internacional, respeite o plano estratégico da empresa", disse um dos conselheiros que representa os acionistas minoritários, Marcelo Mesquita, em entrevista à Globonews.
"Existem proteções na empresa hoje para que nenhuma loucura seja feita. É impossível o novo presidente da Petrobras, seja ele quem for, não ter preços na paridade internacional .Agora, se o país quer dar subsídios a alguns clientes para que tenham combustíveis mais baratos, aí é um problema político", prosseguiu.
A proteção foi inserida em mudanças no estatuto feitas ainda na gestão Pedro Parente, primeiro presidente da estatal durante o governo Michel Temer, com o objetivo de tentar evitar a repetição das interferências realizadas durante o governo Dilma Rousseff, que geraram perda de quase R$ 90 bilhões à área de refino da companhia.
A principal cláusula determina que a empresa cobre ressarcimento do governo em caso de prejuízos com a concessão de subsídios aos preços dos combustíveis ou com investimentos de interesse público.
Ou seja, se a empresa for obrigada a vender gasolina mais barata do que no mercado internacional, a União teria que cobrir a diferença de receita uma vez por ano. E, caso decida orientar a empresa a assumir obrigações diversas do setor privado, isso deverá ser feito por meio de contrato ou convênio.
A alteração foi feita meses antes da greve dos caminhoneiros que paralisou o Brasil por duas semanas em 2018. Como solução para reduzir o preço do diesel, o governo federal teve que criar um subsídio com recursos do Tesouro, que custou cerca de R$ 9 bilhões.
Opositora da política de preços atual e da visão estratégica da gestão Castello Branco, a representante dos trabalhadores no conselho, Rosângela Buzanelli, fez críticas públicas neste domingo (21) à maneira como o processo foi conduzido.
"Em que pese o direito do acionista controlador, no caso a União, de destituir e indicar um conselheiro de administração e o presidente da estatal, há que se fazê-lo com o mínimo de respeito às pessoas, aos ritos e processos legais, sempre buscando preservar as pessoas e a empresa", afirmou.
O conselho de administração da Petrobras se reúne na próxima terça (23) para avaliar o desempenho financeiro da companhia em 2020, que será divulgado na quarta (24). A pauta incluía ainda a recondução de Castello Branco para um mandato de mais dois anos à frente da estatal.
Na sexta (19), um dia após afirmar que faria mudanças na Petrobras, porém, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmou oficialmente em uma rede social a indicação do general Joaquim Silva e Luna para comandar a empresa.
Em ofício enviado à estatal, o MME (Ministério de Minas e Energia) solicitou a convocação de assembleia de acionistas para aprovar a nomeação de Silva e Luna na presidência do conselho de administração. Só depois o colegiado avaliará seu nome para ocupar a presidência da companhia.
Na mesma mensagem, o MME informou que a União, acionista majoritária da Petrobras, propôs a recondução de todos os outros conselheiros de sua cota, o que foi visto pelos membros do colegiado como uma forma de pressionar pela aceitação da troca de comando.
De todo modo, mesmo insatisfeitos com a condução do processo pelo presidente da República, os conselheiros avaliam agora que resistir à mudança seria uma "batalha inglória", nas palavras de Mesquita.
Em suas primeiras declarações após ser indicado à presidência da estatal, Silva e Luna disse que não poderia interferir na política de preços, que "é responsabilidade da diretoria-executiva" da empresa, mas defendeu que a empresa deve ter consciência de que é parte da sociedade e que seus produtos são voltados a pessoas.
Em seu texto publicado neste domingo, a representante dos trabalhadores no conselho se mostrou favorável a alteração na política de preços atual, que na sua opinião "penaliza desnecessariamente a sociedade brasileira", com "o único e exclusivo fim de maximizar pagamentos de dividendos aos acionistas no curto prazo".
"A Petrobrás não é dos acionistas, dos fundos de investimentos, ou do governo de plantão. A Petrobrás é do Estado brasileiro, do seu povo que lutou pela sua criação, a construiu e a agigantou, alçando-a ao podium das maiores e melhores do mundo no setor, premiada internacionalmente várias vezes", afirmou.