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Reconstrução do Museu Nacional vai deixar visíveis as marcas do incêndio no Rio

Projeto arquitetônico não ambiciona a reconstituição de uma suposta condição áurea do século 19 e que se perdeu de todo no desastre de 2018

Fachada principal com estrutura de sustentação de cobertura de proteção do edifício após o incêndio - Tânia Rego/Agência Brasil

Nada trará de volta o que as chamas consumiram na fatídica noite de 2 de setembro de 2018, mas agora começamos a visualizar como ficará a sede do Museu Nacional.
 
Ao longo do ano passado, a Unesco coordenou a licitação para definir o projeto arquitetônico e de restauro do palácio que foi residência oficial da família imperial brasileira. Foi escolhido o consórcio dos escritórios H+F Arquitetos e Atelier de Arquitetura e Desenho Urbano.
 
Além do órgão das Nações Unidas voltado a educação e cultura, a organização da concorrência também envolveu o Conselho Internacional de Museus, o Instituto de Arquitetos do Brasil e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, responsável pelo museu no bairro de São Cristóvão, na zona norte da capital fluminense.
 
A seleção despertou o interesse de muitos escritórios de arquitetura pelo país, como MMBB, Marcio Kogan, Gustavo Penna e SIAA.
 
Dos escolhidos, o Atelier de Arquitetura é sediado no bairro carioca da Glória e conta com as arquitetas Fabiana Araújo e Marina Correia como sócias. Por sua vez, o paulistano H+F, de Eduardo Ferroni e Pablo Hereñú, também é o responsável pelas obras do Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga.
 
Nas propostas elaboradas para o Museu Nacional e o Museu Paulista, o ponto de partida da intervenção arquitetônica foi o embasamento. Também conhecido como promontório, a estrutura corresponde à parte construída entre o palácio e o solo natural. É um recurso milenar com a finalidade de destacar a edificação neoclássica na paisagem.
 
No caso carioca, os jardins à frente da fachada principal serão mantidos tal como atualmente. Também será restaurada a lateral conhecida como "jardim das Princesas", onde brincavam Isabel e Leopoldina, filhas do imperador dom Pedro 2º.
 
É no lado oposto que será erguido o trecho contemporâneo do embasamento. Com uma sequência de suaves rampas, o que se propõe é uma operação de reconstrução da topografia do lugar. Do chão do parque, se subirá por entre muros de pedra até o novo jardim composto por espelhos d'água, canteiros de plantas, mirantes e percursos estabelecidos a partir das portas laterais do palácio.
 
O novo promontório conterá três andares subterrâneos, nos quais estarão as atividades complementares ao museu, como café, auditório, sala de vídeo, além dos escritórios da instituição e a reserva técnica.
 
O resultado será um acréscimo de área construída que não clamará por atenção em demasia. Não é um anexo disputando destaque visual, mas um ato arquitetônico comedido e criterioso. De modo que a edificação do paço de São Cristóvão prosseguirá como protagonista-mor na Quinta da Boa Vista.
 
Por dentro do museu, o projeto não apagará o trauma do incêndio. O restauro não recriará o que foi reduzido a cinzas. Não se ambiciona a reconstituição de uma suposta condição áurea do século 19 e que se perdeu de todo no desastre de 2018. Muitas paredes chamuscadas sem reboco, tal como feridas expostas, seguirão revelando a pedra e o tijolo que permaneceram de pé enquanto o fogo ardia.
 
A memória da destruição é dura, mas não deve ser escamoteada. Afinal, é parte relevante da história do museu e do Brasil atual.
 
Essa postura dos arquitetos fica mais evidente no novo saguão central de articulação. Subsequente ao hall com o meteorito do Bendegó e a escada original do palácio, o espaço de comunicação entre os diferentes pavimentos terá três andares de pé-direito livre -isto é, a altura total do edifício- entrecruzados por passarelas e escadas metálicas.
 
Com isso, no trecho antes subdividido em saletas que desapareceram entre as cinzas, surgirá o amplo saguão, um lugar onde o visitante olhará para dentro do próprio museu, reconhecendo sua dimensão e tomando conhecimento do que surge a partir da ausência.
 
O pátio interno dos tempos imperiais, com jardim e chafariz, seguirá a céu aberto. O circuito de visitação às exposições terá uma lógica circular ao redor desse vazio central. As mostras temporárias ficarão hospedadas no térreo. Nos dois pavimentos superiores estarão as coleções permanentes.
 
A catástrofe não modificou as ênfases do acervo, que permanece tributário tanto à concepção do século 19 de museus, quanto ao seu vínculo com uma universidade. Ou seja, há departamentos de guarda de documentos históricos, itens arqueológicos, objetos etnográficos e setores com foco científico, como paleontologia, entomologia e botânica.


No levantamento de técnicos ligados à UFRJ foram encontrados fragmentos de ornamentos do século 19 que sobreviveram ao fogo. Esses elementos decorativos serão restaurados e serão indícios da vivência palaciana em aposentos históricos como a sala onde ficava o trono.
 
Ao longo do século 20, a capela imperial fora totalmente descaracterizada e retalhada. Com o incêndio, arquitetos viram surgir a oportunidade de restituir a estrutura do espaço religioso original com sua abóbada no teto.
 
O telhado manterá a configuração anterior ao desastre. Em dois trechos, novas leves coberturas de vidro serão instaladas para destacar determinados espaços internos com iluminação natural. Isso não afetará a volumetria do velho paço de São Cristóvão -só comprova a intenção dos arquitetos de calibrar cada gesto, intervir com delicadeza.
 
O que foi apresentado pelo H+F e Atelier de Arquitetura ainda está em estágio de estudo preliminar. A partir de agora será debatido com outros agentes envolvidos na empreitada e órgãos de patrimônio, como o Iphan. A reinauguração do bloco frontal do Museu Nacional está prevista para as festividades do bicentenário da Independência no ano que vem.