Pandemia

Com passagens a mais de R$ 10 mil, voo humanitário entre Brasil e Portugal já está lotado

Nas redes sociais, brasileiros retidos em Portugal e portugueses retidos no Brasil demonstram descontentamento com a operação de repatriação

Viagem foi acertada entre os governos para possibilitar repatriação de portugueses retidos com a pandemia - Patricia de Melo Moreira / AFP

Anunciado pelo governo português como sendo de caráter humanitário, o voo de repatriação entre Portugal e Brasil, marcado para o próximo sábado (27), teve bilhetes só de ida oferecidos por mais de R$ 10 mil no site da companhia aérea.

Reportagem do português Jornal de Notícias encontrou valores ainda mais altos, de até 1.180 euros (cerca de R$ 11,8 mil) para a viagem entre Guarulhos e Lisboa. Após a publicação, o preço já não aparece mais no site da TAP, que opera o voo.

No sentido oposto, a viagem entre Lisboa e São Paulo, marcada para sexta-feira (26), tinha bilhetes apenas de ida custando cerca de 850 euros (aproximadamente R$ 5.600).

Como em viagens de avião normais, o preço dos bilhetes foi ficando mais caro à medida que os lugares disponíveis iam acabando. Segundo a TAP, quem já tinha um bilhete da empresa recebeu a opção de embarcar sem custos adicionais.

Ao contrário das autoridades portuguesas, o governo brasileiro nunca classificou a viagem como humanitária, afirmando em nota que se trata de um "voo comercial extraordinário".

Apesar das queixas dos passageiros sobre os preços elevados, não há mais vagas disponíveis nos voos. As autoridades portuguesas não descartam a realização de uma outra ação de repatriação.

As viagens entre os dois países estão suspensas desde 29 de janeiro por decisão do governo de Portugal.

O agravamento da pandemia em Portugal e a preocupação com a variante identificada no Amazonas justificaram a decisão. A medida, que já foi prorrogada uma vez e pode continuar a ser estendida, é válida por ora até 1º de março.
Enquanto no primeiro fechamento de fronteiras, em março de 2020, a maioria dos afetados eram turistas desprevenidos, desta vez, como a entrada de pessoas a passeio permanece proibida desde então, os atingidos são sobretudo migrantes.

Muitos relatam terem perdido o emprego por conta da pandemia e agora já não têm condições financeiras de subsistência.

Em nota, a TAP negou que os preços tenham chegado a 1.180 euros -mais do que o triplo do valor habitual- para viajar entre Brasil e Portugal.

A empresa, no entanto, chama a atenção para os altos custos associados à operação de um voo extraordinário para justificar os 850 euros cobrados para quem está em Portugal e deseja retornar ao Brasil.

"O preço foi definido em função do momento em que a operação para o Brasil está suspensa e dos custos da TAP para operar um voo ad hoc. Num voo comercial normal existem preços dinâmicos, que dependem das classes tarifárias em que cada passageiro viaja, da sua origem inicial e destino final. São preços determinados por viagens 'em rede', e não ponto a ponto, numa operação extraordinária especial, com preço fixo, como é o caso deste voo", afirma a empresa.

"De sublinhar que esta tarifa está em linha com as tarifas praticadas em outros voos extraordinários de repatriamento que a TAP tem operado desde o início da pandemia, em março do ano passado", completa.

Nas redes sociais, brasileiros retidos em Portugal e portugueses retidos no Brasil demonstram descontentamento com a operação. Muitos, especialmente os que tinham passagens pela Azul e pela Latam (que também operam voos diretos entre os dois países), dizem não ter dinheiro para comprar novos bilhetes.

Um grupo de WhatsApp com mais de 200 participantes reúne brasileiros atingidos pelo cancelamento dos voos. Vários deles relatam já estar precisando de auxílio de ONGs e entidades religiosas até para conseguirem se alimentar no país.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, foi questionado no Parlamento sobre o preço elevado das passagens.

"As pessoas que tinham bilhetes comprados da TAP não têm de pagar qualquer valor adicional. Em relação às pessoas em que a circunstância não se aplica [sem passagens ou com viagem por outras companhias], que devem ser muito poucas, lembro que há regras que impedem abusos", disse.

A bancada do Bloco de Esquerda, terceira maior no Parlamento, afirma não ter se convencido da resposta e apresentou um requerimento pedindo informações adicionais. Os deputados do partido classificaram as viagens como hiperinflacionadas.