São Paulo

João Doria lança 'cascas de banana' e coleciona escorregões políticos

Na articulação política, Doria, que busca ser eleito presidente em 2022, é descrito como "elefante numa loja de cristal"

Governador de São Paulo, João Doria - Rovena Rosa/Agência Brasil

As derrotas políticas colhidas no partido este mês pelo governador João Doria (PSDB) foram apenas mais um capítulo para tucanos já acostumados com seus erros de articulação em série.
 
Enquanto sua capacidade de administração é elogiada entre integrantes da legenda, a falta de habilidade em construir alianças e costurar maioria em torno de seu nome deixa transparecer, segundo membros do partido ouvidos pela reportagem, a inexperiência de quem adotou a vida pública há pouco mais de cinco anos.
 
Na articulação política, Doria, que busca ser eleito presidente em 2022, é descrito como "elefante numa loja de cristal". Faz lembrar seu mote em 2016, quando foi eleito para a Prefeitura de São Paulo, de que era gestor e não político.
 
Desde então, Doria tentou se viabilizar candidato à Presidência da República em 2018, bancou a expulsão do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), apostou todas as fichas no derrotado Baleia Rossi (MDB-SP) e promoveu, por fim, o famoso jantar que provocou uma rebelião contra ele no PSDB.
 
Em todos esses episódios, teve a iniciativa de expor sua intenção, mas foi derrotado e saiu fustigado. Acabou escorregando em sua própria casca de banana.
 
Mas seus aliados fazem questão de lembrar os acertos políticos, a começar pelas duas vitórias eleitorais –à prefeitura em primeiro turno, em 2016, e ao governo do estado, em 2018. A principal, porém, é a viabilização da vacina contra a Covid-19 no país.
 
"Ele tem sido um dos principais responsáveis pela renovação no partido. Além da sua ascensão através das vias democráticas, abriu caminho para Bruno Covas, Mara Gabrili e tantos novos quadros de São Paulo", diz Marco Vinholi, presidente do PSDB paulista e secretário do governo.
 
Doria também conseguiu impor sua vontade no partido quando o ex-deputado Bruno Araújo (PE) foi eleito para a presidência da sigla em 2019. E obteve bom resultado para o PSDB paulista nas eleições municipais de 2020.
 
Mas o momento é de resistência entre seus pares para indicá-lo presidenciável.
 
As críticas não são abertas, mas, nos bastidores, vários nomes do PSDB coincidem em que seu estilo empresarial dificulta o tato político.
 
Isto é, Doria não tem a prática política internalizada e planeja seus passos mirando sua ascensão, às vezes sem contemplar colegas e partidos que seriam necessários a seu projeto presidencial.
 
Tucanos avaliam que falta um grupo de aliados e articuladores com peso e prestígio (como o que acompanha Luciano Huck), que possa servir de radar do mundo político para que ele se movimente dentro das expectativas.
 
"A leitura é que o governador falha em captar o clima e age com voluntarismo, além de ouvir pouco seu entorno.
 
Quem acompanhou sua trajetória política reconhece seu mérito próprio, mas lembra que, em 2016, teve Geraldo Alckmin como padrinho, enquanto a candidatura de 2018 foi apoiada por Bruno Covas –agora falta a figura do fiador.
 
Figuras do entorno de Doria dizem que sua visão é a de que ele vai superar os obstáculos, como já fez duas vezes.
 
Aliados afirmam até que, na verdade, ele iniciou seu projeto em 2016 sem ajuda de tucanos de renome e, em 2018, foi eleito sem apoio de deputados, prefeitos e de Alckmin, que já estava distante.
 
A percepção no Palácio dos Bandeirantes é de que há erros e acertos no caminho de qualquer eleição, e ele estaria mais bem assessorado agora do que em pleitos anteriores.
 
Enquanto parte do PSDB aposta que Doria pode preferir sair do partido a encarar prévias com Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul e também aspirante ao Planalto, seu entorno afirma que ele irá, sim, participar da votação interna.
 
Em diferentes ocasiões, Doria já disse ser fruto de prévias.
 
Mas a conversa sobre prévias no PSDB não teria surgido com força neste mês não fosse o já famoso jantar oferecido por ele a caciques no último dia 8. Em reação a seu passo em direção a 2022, Leite embarcou no projeto nacional.
 
No mesmo jantar, Doria voltou a propor a saída de Aécio do partido e seus aliados sinalizaram que ele deveria suceder Araújo no comando da sigla. Resultado: Araújo foi reconduzido ao cargo por mais um ano com amplo apoio.
 
O jantar foi descrito de forma irônica por um tucano histórico como "obra-prima" da articulação de Doria.
 
Presente ao encontro, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) disse, no entanto, que o pleito de suceder Araújo não foi mencionado em nenhum momento por Doria e que a pauta principal foi a discussão sobre a oposição.
 
"Não existem erros, existem temas e pautas. O jantar nunca foi para expulsão de Aécio, essa é uma versão que não tem sentido. [...] Também não foi pautado para destituição do Bruno Araújo. Doria é amigo do Bruno Araújo. [...] Doria trouxe a vacina e isso transcende a política", afirmou o deputado Alexandre Frota (SP) à reportagem.
 
Vinholi também disse que o PSDB paulista concordava com a recondução de Araújo. A história que ficou, porém, foi a de que o novo mandato foi uma derrota para Doria.
 
Também partiu de Doria a iniciativa de pressionar pela saída de Aécio do partido em 2019 –movimento endossado publicamente por Covas. Como Aécio não cedeu,dois pedidos de expulsão foram levados ao partido, um pelo PSDB estadual e outro pelo PSDB municipal de São Paulo.
 
A votação terminou em 30 para Aécio, e 4 para Doria. Desde então, eles vêm ocupando trincheiras opostas no partido, sendo que o primeiro leva vantagem na construção de pontes com os colegas.
 
Essa não foi a única demonstração de que Doria não controlava o PSDB como pensava, nem a mais recente. Neste ano, endossou a candidatura de Baleia ao comando da Câmara e foi um dos poucos governadores a não receber o rival, Arthur Lira (PP-AL).
 
Na reta final, porém, os deputados ameaçaram deixar o bloco de apoio a Baleia –o que foi freado por Doria e por FHC. Ainda assim, mais de 20 deputados votaram em Lira, que saiu vitorioso.
 
Em 2018, Doria cometeu dois erros políticos lembrados até hoje. O primeiro foi aderir ao bolsonarismo para se eleger, criando o "Bolsodoria" –do qual se diz amargamente arrependido.
 
O cálculo equivocado teve via de mão dupla. Primeiro, Doria pareceu aproveitador ao se aliar a uma candidatura que não representava as bandeiras do PSDB.


Na intenção de ser presidente, criou para si o problema de ter que se descolar de Bolsonaro, movimento também visto como oportunista e facilitado pelo negacionismo do Planalto.
 
Mas, antes disso, em meados de 2019, ele já havia iniciado os ataques ao presidente que, em janeiro daquele ano, o apresentou em Davos como futuro presidente do Brasil.
 
Outro exemplo da inabilidade de Doria é visto em sua relação com Alckmin. Como prefeito, rivalizou com o padrinho, então governador, pela vaga de presidenciável do PSDB em 2018 –fez viagens pelo país e conversou com partidos. Ficou com a pecha de traidor.
 
Por fim, para a bancada federal, a intervenção de Doria na escolha do líder em 2019 deu mostras de uma atuação política de imposição. Para alcançar a vitória de Beto Pereira (MS), o governador mudou a configuração da bancada, patrocinando filiações e licenças.
 
Celso Sabino (PA) era o adversário apoiado por Aécio. O racha foi tamanho que Carlos Sampaio (SP), uma terceira via, assumiu. Para aliados de Doria, o governador venceu o embate, já que Sampaio é fiel a ele.
 
Na ocasião, porém, mesmo deputados paulistas afirmavam que a intervenção de Doria não seria esquecida. Neste ano, Rodrigo de Castro (MG), próximo a Aécio, foi aclamado líder.