Economia

Pandemia interrompe participação crescente de mulheres no empreendedorismo, diz estudo

Lidar com serviços domésticos e atividades escolares dos filhos teriam impactado, segundo analista

Mulheres empreendedoras - Agência Brasil

Um levantamento do Sebrae obtido pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que a pandemia interrompeu um ciclo de crescimento de quatro anos contínuos da participação feminina no empreendedorismo brasileiro.
 
No terceiro trimestre do ano passado, a proporção de mulheres entre os donos de negócio caiu quase um ponto percentual em comparação com o mesmo período de 2019 -chegando a 33,6% dos cerca de 25,6 milhões empreendedores no país. Em números absolutos, a queda representa um retorno a patamares abaixo dos vistos em 2017, com a perda de 1,3 milhão de mulheres à frente de um negócio.
 
O estudo mostra que todos foram afetados pela crise da Covid-19, mas as mulheres foram mais, afirma Renata Rodrigues Malheiros, analista de relacionamento com o cliente e coordenadora do projeto Sebrae Delas. Para a especialista, entre as razões que explicam essa ruptura está o desequilíbrio na divisão das tarefas domésticas, problema que, além de empreendedoras, também afetou mulheres no ambiente acadêmico e nas empresas privadas no ano passado.
 
"Durante uma crise, você precisa se dedicar mais horas à inovação. Mas como vou fazer isso se estou cuidando de três filhos em aulas virtuais? A situação que estamos vendo é um reflexo da divisão de papéis. Isso, quando não estamos falando de mães solo. A pandemia é a mesma tempestade para todos, mas nem todos estão no mesmo barco", diz.
 
Para a especialista, o tempo gasto com atividades de cuidado também se reflete em outro dado do mesmo levantamento do Sebrae: quando comparadas aos homens, as empreendedoras trabalham menos horas por semana em seus negócios -59% delas trabalham menos de 40 horas semanais.
 
Apesar de ser agravada com pandemia, essa disparidade já era anterior. As mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens em 2019, de acordo dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
 
Quando se fala em nível de ocupação, existe uma diferença entre homens e mulheres na faixa dos 25 a 49 anos com crianças de até três anos em casa. Para elas, a taxa é de 54,6% e, para eles, de 89,2% -entre mulheres pretas ou pardas, o índice cai para 49,7%. Os números constam no levantamento "Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil", divulgado nesta quinta (4) pelo instituto.
 
A pandemia escancara fragilidades que já existiam estruturalmente e algumas dessas dificuldades se acumulam de acordo com vulnerabilidades históricas, como é o caso de mulheres negras, indígenas e mães, diz Tayna Leite, gerente do Ganha-Ganha Brasil, programa para estimular a equidade de gênero nos negócios realizado pela ONU Mulheres em parceria com a (OIT) Organização Internacional do Trabalho e União Europeia.
 
Uma dessas fragilidades é o estereótipo de gênero estabelecido em torno dos cuidados, diz Tayna. "A feminização do cuidado é atribuir essa responsabilidade à mulher. Precisamos mostrar que o cuidado é uma responsabilidade coletiva, não há nada inerente à natureza feminina ligada a ele. É um passo que parece simples, mas não é", diz Tayna.
 
Outro fator que indica como as empreendedoras foram afetadas pela pandemia é a área de negócios em que atuam: segundo o estudo do Sebrae, mulheres estão mais presentes no setor de serviços (50%, contra 34% dos homens), bastante afetado pela crise.
 
Ao abrir negócios, muitas empreendedoras optam por um segmento em que já têm uma habilidade desenvolvida, diz Regina Madalozzo, coordenadora do Núcleo de Mulheres e Território do Insper. "No mercado de trabalho ou no empreendedorismo, elas só se sentem preparadas quando têm completo domínio do que estão fazendo. E seguro é ficar em tarefas de cuidado", diz a especialista.
 
Ainda que tenham mais instrução (maior porcentagem de ensino superior comparado a homens até a faixa dos 64 anos, segundo o IBGE), as mulheres não procuram áreas de estudo como matemática e isso impacta na sua relação a tecnologia, diz Dani Junco, fundadora da B2Mamy, que capacita e conecta mães ao ecossistema de inovação e tecnologia.
 
Em 2019, mulheres correspondiam a apenas 13,3% das matrículas nos cursos presenciais de graduação na área de computação e tecnologias da informação, contra 88,3% na área de bem-estar (que inclui cursos como serviço social), segundo levantamento organizado pelo IBGE.
 
Quando iniciam capacitações relacionadas ao tema de tecnologia na B2Mamy, muitas mulheres se questionam por que nunca haviam cogitado atuar no setor, diz Junco. "Elas imaginam que é uma coisa de outro mundo. Mas, quando começam a trabalhar com isso, pensam 'uau, como não mudei de área antes'. Tem muita vaga e dinheiro para quem quer trabalhar nesse setor", diz ela.
 
Com o conjunto de dificuldades enfrentadas no dia a dia, mulheres parecem ter sido mais afetadas psicologicamente do que homens com os impactos da pandemia, de acordo com dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora feita com 1.555 empreendedores entre setembro e outubro do ano passado.
 
Segundo o documento, as palavras mais citadas pelas mulheres sobre como se sentem nos últimos meses foram ansiosa (66%), confiante (60%) e cansada (52%) -para os homens, em contraposição, as palavras foram confiante (65%), ansioso (58%) e tranquilo (39%).


Apesar desse cenário, as mulheres foram capazes de buscar inovações para manter seus negócios, lembra Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora.
 
"Cerca de 40% das empreendedoras têm no negócio a principal fonte de renda, então inovar não é uma questão só estratégica, mas uma questão de sobrevivência. Elas aplicaram medidas práticas, como reduzir despesas, reorganizar as contas, postergar dívidas, mas também procuraram o caminho da capacitação, principalmente no que diz respeito a transformação digital", diz.
 
Além da capacitação, as redes de troca entre empreendedoras vêm se consolidando como alternativa para aquelas que estão em busca de apoio ou soluções para o negócio. "As redes ajudam a encurtar distâncias, mas também são espaços fundamentais de troca. Culpa materna é uma das questões que as empreendedoras mais trazem a nós. E isso impacta toda a gestão da empresa", diz Renata Malheiros, do Sebrae.
 
VEJA PROGRAMAS DE APOIO AO EMPREENDEDORISMO FEMININO
 
B2Mamy Womby
O projeto B2Mamy tem diferentes frentes de capacitação para mães, entre eles o Womby, voltado a mulheres periféricas, com formação em profissões digitais. Além disso, também tem uma casa em Pinheiros que funciona como hub, em que mulheres podem se conectar umas com as outras
b2mamy.com.br
 
Sebrae Delas
Projeto de aceleração voltado a empreendedoras mulheres, que oferece capacitação e acesso a eventos e redes de networking
sebrae.com.br/delas
 
Plataforma B2B
Com objetivo de promover oportunidade de negócios, o site é parte do programa Ganha-Ganha, da ONU Mulheres, e serve como ponte entre mulheres empreendedoras e empresas que querem comprar produtos ou serviços. Quem faz a inscrição, que vai até 18 de março, pode depois participar de rodadas de conversas e negócios de diferentes setores.
mujeres-vanguardia-nuevas-economias.b2match.io/
 
Potência Feminina
Programa do Instituto Rede Mulher Empreendedora é feito parceria com o Google e oferece capacitações gratuitas em empreendedorismo e empregabilidade e tecnologia para mulheres. Além da iniciativa, o instituto tem outros programas como o Ela Pode e Elas Prosperam, e uma programação voltada ao Dia Internacional das Mulheres
rme.net.br/2021/03/03/oportunidades-incriveis-para-mulheres-rme-e-instituto-rme/