Economia

Inadimplência deve aumentar com auxílio menor e desemprego elevado

Benefício deve ser retomado mas com valores entre R$ 150 e R$ 350

Auxílio Emergencial - Leonardo Sá/Agência Senado

A redução do auxílio emergencial e o alto nível de desemprego no país devem levar a um aumento do número de calotes de pessoas físicas neste ano, afirmam executivos de bancos e birôs de crédito.
 
Os grandes bancos de capital aberto (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) já reservaram mais de R$ 93 bilhões em provisões em 2020, um aumento de 52,9% em relação ao observado no ano anterior, como forma de se precaver diante desse cenário.
 
"Já existem sinais de alta da inadimplência. Um aumento [de atrasos] de 15 a 90 dias vai começar a impactar o índice nos próximos trimestres. Mas temos uma visão tranquila quanto a esse aumento porque ele já estava nos nossos radares", afirmou o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, em entrevista a jornalistas em fevereiro para comentar os resultados do banco.
 
"Ainda é difícil de projetar, há um grau de incerteza muito alto. Mas acredito que o pico da inadimplência se dará no quarto trimestre deste ano ou nos primeiros três meses de 2022. Ainda assim, acontecerá em patamares muito menores do que já vimos no passado", afirmou o atual presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, também em teleconferência de resultados.
 
Segundo o economista da Boa Vista, Flavio Calife, a expectativa é que os primeiros sinais de um aumento dos calotes sejam sentidos entre março, abril e maio, momento em que o fim do auxílio emergencial do ano passado começará a pesar no orçamento familiar.
 
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarou que o benefício deve ser retomado, mas com valores menores (entre R$ 150 e R$ 350). A princípio, a promessa era de que eles voltassem em março, mas atraso na aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, aprovada no Senado na semana passada, deve levar a uma revisão do cronograma.
 
A demora de três meses entre o fim dos pagamentos do auxílio emergencial, em dezembro, e o começo da alta nos calotes acontece porque a dívida só é considerada inadimplente depois de 90 dias. Antes desse prazo, os credores consideram o débito como atrasado e tentam, por conta própria ou pela contratação de terceiros, reaver o pagamento via cobrança.
 
"Talvez já no final de março começaremos a sentir um aumento de dívidas não pagas por parte dos consumidores. Muita gente aproveitou para consumir bens duráveis de maneira parcelada, usando o auxílio para pagar. Agora, além da extinção do benefício que já deixa a renda mais baixa, essa conta também começa a pesar no orçamento", afirmou Calife.
 
Já em dezembro, dados de entidades que representam montadoras e distribuidoras de veículos apontaram que o benefício fez diferença na venda de carros, motos e caminhões em 2020, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
 
"A fragilidade financeira decorrente do fim do auxílio emergencial e da renda menor já chegou para os consumidores de baixa renda. Esses atrasos podem começar a expandir a depender de como a vacinação e o fluxo de renda se darão nos próximos meses", afirmou o economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), Nicola Tingas.
 
O momento ainda casa com as contas características de início de ano ""como IPTU (Imposto Predial e Territorial e Urbano) e IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores)"" e com um alto índice de desemprego no país.
 
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que o desemprego alcançou 13,4 milhões de pessoas considerando todo o ano de 2020.
 
O movimento, somado a um cenário de taxa básica de juros maior, pode aumentar os spreads bancários (diferença entre a taxa de captação e de empréstimos) e elevar o custo do crédito na ponta, para pessoas físicas e jurídicas.
 
"A possibilidade de um aumento de calotes existe, mas não necessariamente diz respeito a uma inadimplência represada. Houve renegociações e postergações de crédito ao longo de 2020 e tudo isso se encaixou em uma nova esteira de pagamentos", afirmou o presidente do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito), Roque Pellizzaro Junior.


No início da pandemia, os bancos prorrogaram o prazo de pagamento de dívidas de empresas e pessoas físicas. A ação, junto a medidas como o auxílio e o lançamento de créditos com garantia do Tesouro, melhorou a condição de pagamento de devedores, impedindo uma explosão de novos atrasos e levando a inadimplência para níveis historicamente baixos.
 
O último relatório de crédito do Banco Central, divulgado no final de fevereiro, apontou que o índice de calotes total do sistema financeiro ficou em 2,1% em janeiro –0,8 ponto percentual menor do que o registrado em igual mês de 2020 e o menor patamar da série histórica.
 
O mesmo acontece nos níveis de inadimplência para pessoas físicas e jurídicas, que ficaram em 2,9% e 1,2% em janeiro, respectivamente, também os menores níveis da história para a categoria.
 
A inadimplência das empresas, por sua vez, tende a ficar mais para frente, uma vez que os créditos tomados ao longo de 2020 tinham período de carência.
 
Assim, para pessoas jurídicas, a expectativa dos especialistas é que o efeito nas pessoas jurídicas comece a ser sentido no final de 2021 e início de 2022.
 
O estoque total de crédito no Brasil, segundo o BC, ficou estável em janeiro na comparação com dezembro, em R$ 4,020 trilhões, equivalente a 54,1% do PIB (Produto Interno Bruto).