Militares

'Trauma do tuíte' impõe lei do silêncio nas Forças Armadas sobre Lula

Com isso, oficiais-generais, em consultas na segunda (8), consideraram que o ideal seria não se manifestar mais

Ex-Comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas - Tomaz Silva/Agência Brasil

A cúpula do serviço ativo das Forças Armadas não gostou de ver Luiz Inácio Lula da Silva com seus direitos políticos restaurados, mas determinou silêncio de rádio na corporação sobre o assunto.

É um resultado direto da retomada da discussão sobre o papel institucional dos militares depois que o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas detalhou as condições em que divulgou uma postagem pressionando o Supremo Tribunal Federal a não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Lula, em 2018.

O episódio havia ficado para trás, sob a bruma de toda a confusão da volta dos militares ao palco político com Jair Bolsonaro. Mas Villas Bôas discorreu sobre ele, envolvendo todo o Alto-Comando do Exército, em um livro-depoimento lançado pela Fundação Getúlio Vargas.
 


Para complicar, a reação mais vocal contra o caso nesta sua segunda encarnação foi de Edson Fachin, o ministro que agora anulou as condenações do petista na Lava Jato, transferindo seus processos de Curitiba para Brasília.

Foi Fachin que chamou a pressão de 2018 de "intolerável" após o jornal Folha de S.Paulo revelar, em 14 de fevereiro, que o tuíte de Villas Bôas tinha um teor ainda mais grave e que havia sido discutido, segundo o general, com três atuais integrantes do governo Bolsonaro e com o atual comandante da Força, Edson Pujol.

O próprio Villas Bôas, em sua última participação no Twitter desde então, ironizou Fachin pelo atraso de três anos na crítica. Lula foi na mesma linha e criticou o ministro que agora o trouxe para o jogo de 2022.

A marola virou um maremoto institucional, levando ao caso da prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que gravou vídeo ameaçando Fachin e outros ministros devido à crítica, por ordem de outro titular da corte, Alexandre de Moraes.

Com isso, oficiais-generais, em consultas na segunda (8), consideraram que o ideal seria não se manifestar mais. Seguem orientação direta de Pujol, que já no fim do ano passado havia feito duras críticas à presença de militares na política, em consonância com a determinação do Fernando Azevedo (Defesa).

O ministro, general de quatro estrelas da reserva, diz que apenas ele pode emitir notas de caráter político para o público externo.

Isso não reduziu, internamente, as críticas ouvidas pela reportagem à decisão de Fachin. Com diversas tonalidades, elas foram condensadas no que um general da reserva, o presidente do Clube Militar, Eduardo José Barbosa, escreveu em nota na segunda.

Ele criticou a decisão do ministro, a quem acuso de uma ligação, de resto histórica, com o PT, e afirmou temer que "o meliante fique definitivamente impune".

O caso todo ilustra a difícil relação entre os fardados e o PT, que teve momentos de grande proximidade, mas que esgarçou-se no governo de Dilma Rousseff devido à instauração da Comissão da Verdade -que, na visão dos militares, privilegiou apenas a apuração de crimes da ditadura, ignorando os da luta armada.

O processo de antipetismo crescente, que passava também pela debacle econômica do país e as revelações da Operação Lava Jato, é explicitado no depoimento de Villas Bôas, assim como a crescente identificação com a candidatura de Bolsonaro.

O resultado está aí, com 9 dos 23 ministros saídos das Forças, com amplo domínio do Exército, e episódios seguidos de desgaste de imagem -a começar pelo desgoverno na pandemia, cuja pasta responsável, a Saúde, é liderada por um general da ativa, Eduardo Pazuello.

Com tantos fios desencapados na praça, até que se prove em contrário os fardados evitarão ao máximo novos curtos-circuitos, ao menos em público.