Myanmar

Rússia alerta para aumento de mortes de civis em Myanmar e analisa retirada de apoio

Nos protestos desta quinta-feira (11), ao menos 12 pessoas foram mortas pelas forças de segurança ao protestarem

Myanmar - STR / AFP

Depois de se opor, no Conselho de Segurança da ONU, à classificação da tomada de poder em Myanmar como um golpe de Estado, a Rússia está de olho nos acontecimentos do país asiático, afirmou nesta sexta-feira (12) o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.

"Avaliamos a situação como alarmante e estamos preocupados com as informações que vêm de lá sobre o crescente número de vítimas civis. Isso nos preocupa", disse.

Nos protestos desta quinta-feira (11), ao menos 12 pessoas foram mortas pelas forças de segurança ao protestarem contra a ditadura, elevando o número de vítimas a mais de 70, de acordo com levantamentos da ONU e da Associação de Assistência a Presos Políticos de Myanmar.

Questionado se a Rússia deve se juntar a outros países que anunciaram sanções contra o Exército mianmarense, Peskov disse que o governo de Vladimir Putin está analisando a situação.

Nesta sexta, a Coreia do Sul anunciou a suspensão da cooperação técnico-militar com Myanmar, o que na prática significa que o país deixará de exportar armas e outros itens estratégicos aos mianmarenses.

 


Além disso, Seul vai reconsiderar os fundos de desenvolvimento que apoia no país e conceder isenções humanitárias a cidadãos de Myanmar para permitir que eles permaneçam na Coreia do Sul.

"Apesar das repetidas demandas da comunidade internacional, incluindo a Coreia do Sul, há um número crescente de vítimas em Myanmar devido a atos violentos das autoridades militares e policiais", disse o Ministério das Relações Exteriores sul-coreano, por meio de um comunicado.

O Reino Unido, autor da resolução no Conselho de Segurança da ONU que condena veementemente a escalada da violência em Myanmar, divulgou a cidadãos britânicos que vivem no país asiático uma recomendação de que deixem o território "a menos que haja uma necessidade urgente de ficar".

Nesse caso, segundo o comunicado, a orientação é que os britânicos permaneçam em casa. "A tensão política e a agitação estão generalizadas [em Myanmar] desde a tomada de poder pelos militares, e os níveis de violência estão aumentando", diz o texto.

Novos protestos ocorreram nesta sexta em Rangoon, a maior cidade de Mianmar, e em outras regiões do país. Em contraste com os episódios de repressão registrados nos últimos dias, contudo, não houve relatos de violência contra os manifestantes.

Myanmar mergulhou em caos político, econômico e diplomático depois que as Forças Armadas destituíram o governo civil democraticamente eleito e assumiram o poder no golpe de Estado dado em 1º de fevereiro.

Trabalhadores de vários setores da economia ignoraram as ameaças da junta militar e aderiram a greves e movimentos de desobediência civil exigindo a retirada das Forças Armadas, a restauração da democracia e a libertação de presos políticos.
Desde então, milhares de pessoas têm ido às ruas diariamente, apesar do histórico de repressão violenta no país -na revolta de 1988, mais de 3.000 manifestantes foram mortos- e dos recentes episódios de uso excessivo de força contra manifestantes pró-democracia, o que representantes da ONU têm classificado como crimes contra a humanidade.

"Ele disse que valia a pena morrer", contou Aye Myat Thu, esposa de um manifestante morto pela polícia em Rangoon, à agência de notícias Reuters. "Ele estava preocupado com o fato de as pessoas não participarem dos protestos. Nesse caso, a democracia não retornará ao país."

Apesar de não ser vista em público desde que foi deposta e detida em 1º de fevereiro, Aung San Suu Kyi, conselheira de Estado que era, na prática, a líder do governo civil, é presença constante nos atos, porém representada por cartazes que exibem retratos seus, ao lado de imagens das vítimas da repressão, tratadas agora como mártires.

Suu Kyi responde por quatro acusações criminais. As duas primeiras, apresentadas ainda na semana do golpe, foram de importação ilegal de seis walkie-talkies e de uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus.

As outras duas, formalizadas no início deste mês, são por ter supostamente violado uma lei de telecomunicações que estipula licenças para equipamentos e outra por publicar informações que podem "causar medo ou alarme", prática vetada pelo código penal que data do período colonial.

Nesta quinta, o porta-voz das Forças Armadas anunciou ainda que ela será investigada por supostamente ter recebido pelo menos US$ 600 mil (R$ 3,4 milhões) e 11 quilos de ouro em subornos enquanto estava no governo. Sua defesa alega que as denúncias são infundadas e, especialmente as acusações de recebimento de propinas, são "a piada mais hilária de todas".

A Liga Nacional pela Democracia (LND), partido de Suu Kyi, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento nas eleições realizadas em novembro do ano passado. A legenda, entretanto, foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras.

O Exército vem tentando usar supostas acusações de fraude no pleito como justificativa para a tomada de poder. Os militares também acrescentaram à narrativa o argumento de que a comissão eleitoral do país usou a pandemia de coronavírus como pretexto para impedir a realização de uma campanha justa. Dizem ainda que agiram de acordo com a Constituição e que a maior parte da população apoia sua conduta, acusando manifestantes de incitarem a violência.

Cronologia da história política de Myanmar

1948: Ex-colônia britânica, Myanmar se torna um país independente
1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
2008: Assembleia aprova nova Constituição
2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado