Antônio Maria, do Recife, com orgulho e com saudade
Poeta e compositor recifense completaria nesta quarta (17) cem anos de vida dedicada à arte e ao amor pelos carnavais
Rabiscar sobre a cultura do Recife, por si só, enriquece. Porque cá entre nós (e que nos ouça o resto do mundo), é de uma grandeza que arrebata sem descanso e traz à tona o quão a cidade é fonte artística inesgotável. Ora pelas boas-novas que surgem em palcos, ruas e esquinas, ora pela imortalidade de poetas e compositores que já se foram, mas seguem enraizados em verso, prosa e Carnaval.
Chega-se, então, a Antonio Maria que, além de poeta era compositor, além de compositor, cronista e como tal exaltou a “Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil” (RJ), por onde se estabeleceu a partir do final da década de 1940 e permaneceu até o fim dos seus dias, em 1964. Mas estas linhas pretendem discorrer sobre vida, e esta o poeta “deve” ao Recife, seu nascedouro. Hoje, em seu centenário, podemos (devemos) acordá-lo, a pedido do próprio: “Se você me encontrar dormindo, deixe; morto, acorde".
A frase, dita por ele, identifica a boemia impregnada em Antonio Maria, consumido que era por hábitos noturnos em ares cariocas – que o levou a compor, por exemplo, “Valsa de uma Cidade”, cuja letra “Rio de Janeiro gosto de você, gosto de quem gosta deste céu, deste mar, desta gente feliz” exala o sentimento que resguardava pela “malandragem”, embora tenha se mantido todo o tempo fiel ao Recife em “hinos” da Folia de Momo de sua autoria, escritos na década de 1950, e que deixavam o seu saudosismo notório.
“Ai que saudade vem do meu Recife, da minha gente que ficou por lá” (Frevo n 2) ou ainda, “Sou do Recife com orgulho e com saudade, sou do Recife com vontade de chorar” (Frevo n 3) ou “Que adianta se o Recife está longe, e a saudade é tão grande que eu até me embaraço” (Frevo n 1).
E era lá pelas bandas do Bairro do Recife, mais precisamente na Bom Jesus, que Antonio Maria tinha que ser fincado, pomposo, em escultura estrategicamente posta em um dos ápices da folia de Pernambuco, integrando um perímetro que perfaz o Circuito da Poesia da cidade.
“O Carnaval de minha terra é uma lindeza. Se alguém puder, que vá vê-lo”, teria dito ele em entrevista a uma revista, na mesma década em que compôs a tríade de frevos. A sugestão, aliás, vigora até os dias atuais entre as milhares de pessoas que seguem perambulando por aqui, nos dias da festa.
Dentro da vastidão artística que o tomava, e que o habilitaram a exercer também o jornalismo - como cronista, esbanjou destreza ao escrever sobre a noite carioca – e assumir produção em televisão e enveredar pela locução em rádio, a composição “Manhã de Carnaval” (1959) em parceria com o violonista e compositor Luiz Bonfá, marcou seu repertório. A canção ganhou gravações no Brasil, com Maysa e Caetano Veloso entre os intérpretes, e despertou internacionalmente os amantes do jazz ao integrar a trilha do filme francês “Orfeu Negro”.
Músicas vociferadas por Claudionor Germano, Luiz Bandeira, Ângela Maria e Elizeth Cardoso, também merecem destaque. Vale ressaltar o samba-canção - do tipo dor de cotovelo pesada - “Ninguém me Ama” que, em parceria com Fernando Lobo, ganhou interpretação de Nath King Cole.
Tal qual Chico Buarque adjetivou a folia como “uma alegria fugaz, ofegante epidemia”, Antonio Maria tinha o Carnaval do Recife como “uma necessidade temperamental do povo”, do tipo que dava vazão à timidez do pernambucano que, segundo ele, precisava “dizer coisas enterradas no fundo da alma”.
Remetendo à nostalgia da época mais identitária da “terra dos altos coqueiros”, o aniversariante do dia nos tempos atuais de angústia, silêncio e ruas vazias, poderá (deverá) ainda assim ser exaltado, talvez até como forma de antecipar o desejo de ter novamente o corpo a corpo típico nos fevereiros da vida, ainda mais se for no Recife, cidade que o poeta levou sempre “com orgulho e com saudade”, sentimentos que acometem minimamente qualquer um que já se debruçou sobre a obra deste recifense.
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