Morre presidente da Tanzânia; líder da oposição diz que causa foi Covid-19 e cita 'justiça poética'
'Magufuli desafiou o mundo na luta contra o corona, desafiou a ciência. Ele se negou a adotar as precauções básicas', afirmou Tindu Lissu
O presidente da Tanzânia, John Magufuli, 61 anos, morreu de problemas cardíacos, anunciou a vice-presidente, Samia Suluhu Hassan, na televisão, nessa quarta-feira (17), após duas semanas de uma inexplicável ausência do chefe de Estado.
Já o principal opositor de Magufuli, Tindu Lissu, que considerou o óbito uma "justiça poética" depois que o chefe de Estado minimizou a dimensão da Covid-19, disse, nesta quinta-feira (18), que causa da morte foi justamente o coronavírus.
“É com grande pesar que informo que perdemos nosso valente líder, o presidente da Tanzânia, John Pombe Magufuli”, disse a vice-presidente, Samia Suluhu Hassan.
Magufuli, que segundo a vice-presidente tinha problemas cardíacos há 10 anos, apareceu em público pela última vez em 27 de fevereiro, e persistiam rumores sobre seu estado de saúde. A ausência alimentou os boatos de que havia testado positivo para Covid-19.
Hassan disse que o presidente morreu no hospital Emilio Mzena, uma instalação do governo em Dar es Salaam, onde ele estava recebendo tratamento.
Há uma semana, Tundu Lissu, exilado na Bélgica, se juntou a outros líderes de oposição para questionar a ausência do presidente, dizendo que ele tinha uma forma severa de coronavírus, agravada por problemas prévios de saúde.
Na segunda-feira, a própria Hassan pediu para que os rumores fosse ignorados, sugerindo que o presidente, sem nomeá-lo, estava doente. "Se há um momento em que devemos estar unidos, é agora", disse ela.
"Magufuli morreu de corona", como o vírus é chamado no leste da África, disse Tindu Lissu em uma entrevista ao canal de televisão queniano KTN, gravada na quarta-feira e exibida na quinta-feira.
"Magufuli não morreu esta noite. Tenho informações, basicamente das mesmas fontes que me disseram que estava gravemente doente, que Magufuli está morto desde quarta-feira da semana passada", afirmou.
"Isto é justiça poética. O presidente Magufuli desafiou o mundo na luta contra o corona (...) Desafiou a ciência. Ele se negou a adotar as precauções básicas que são recomendadas às pessoas de todo o mudo contra o corona", afirmou.
Durante o último ano, John Magufuli tentou minimizar o impacto da pandemia de coronavírus na Tanzânia e chegou a afirmar que o país estava "livre" da Covid-19.
Mandato e Covid-19
Reeleito em outubro, Magufuli, apelidado de "Bulldozer", chegou ao poder em 2015 prometendo combater a corrupção.
Mas seu primeiro mandato foi marcado, de acordo com muitas organizações de direitos humanos, por uma tendência autoritária, repetidos ataques à oposição e o declínio das liberdades fundamentais.
Em fevereiro, a Tanzânia, que alegou ter sido "libertada" da Covid-19 graças às orações, experimentou uma onda de mortes, oficialmente atribuídas à pneumonia.
Personalidades de destaque foram afetadas, como o vice-presidente do arquipélago de Zanzibar, Seif Sharif Hamad, que morreu, obrigando Magufuli a admitir parcialmente a presença do vírus na Tanzânia.
Luto de 14 dias no país
Na manhã desta quinta-feira, as bandeiras foram hasteadas a meio mastro na capital econômica, Dar es Salaam, no primeiro dos 14 dias de luto nacional decretado pela vice-presidente, Samia Suluhu Hassan, que anunciou a morte do chefe de Estado na quarta-feira à noite.
Será Samia Suluhu Hassan quem substituirá Magufuli à frente do país até o final do mandato de cinco anos. Ela será a primeira mulher a ocupar o cargo.
Assim que foi anunciada a morte do líder, que governava o país desde 2015, muitos moradores de Dar es Salaam expressaram consternação.
"Estou muito triste, sofro porque tínhamos nosso líder, nosso presidente que amávamos e que nos amava, os pobres", declarou o vendedor ambulante Innocent Tionoke.
"Ele era o presidente dos desprivilegiados", disse um colega, Hassan Sayid.
Magufuli, apelidado de "retroescavadeira", chegou ao poder prometendo combater a corrupção e realizou grandes projetos de infraestrutura, como a instalação de redes elétricas em áreas rurais, a renegociação de contratos de mineração e a promoção do ensino gratuito.
"Os pobres começaram a progredir, os negócios estavam prosperando e se você tivesse um problema, o presidente iria ouvi-lo", comentou Kondo Nyumba, chorando esta manhã numa banca de jornal em Dar es Salaam.
No entanto, seus anos no poder também foram marcados por uma inflação galopante, pouca criação de empregos e uma política agressiva de arrecadação de impostos.
Além disso, realizou uma forte repressão contra a oposição, a mídia e a sociedade civil e reduziu os direitos de homossexuais e estudantes grávidas.
Sua reeleição em outubro passado, em um contexto de forte repressão, com 84,39% dos votos, foi denunciada pela oposição como uma "fraude total".
"Não lamento" sua morte, comentou um vendedor de Dar es Salaam, que se identificou como William.
"Estávamos preparado uma vaca para matá-la e o dia que eu estava esperando [para fazê-lo] chegou. Eu não lamento, eu lamento pelas pessoas que morreram sob seu regime".
Maria Sarungi, uma famosa ativista pelos direitos das mulheres, também não escondia seu alívio.
"Escrever RIP [acrônimo em inglês para "Rest in peace" - Descanse em paz] não combina comigo, eu não gosto de hipocrisia. Eu digo #ByeMagufuli. É isso", tuitou.