Economia

Pandemia e fim de negócio com a Boeing quase triplicam prejuízo da Embraer em 2020

Já o prejuízo líquido ajustado ficou em R$ 2,3 bilhões

Avião da Embraer - Divulgação

Sob forte impacto da pandemia e do fim do negócio com a Boeing, a Embraer fechou 2020 com um prejuízo líquido quase o triplo do observado em 2019. A perda foi de R$ 3,62 bilhões reportados aos acionistas, ante R$ 1,32 bilhão no ano anterior.

Já o prejuízo líquido ajustado ficou em R$ 2,3 bilhões. A receita total, contudo, ficou apenas 10% inferior ao de 2019, em R$ 19,6 bilhões, devido a uma recuperação registrada no quarto trimestre pela fabricante aeronáutica paulista.

Uma série de fatores concorreu para isso: a retomado do ritmo de entrega de aviões, em especial jatos executivos, o câmbio mais alto (os produtos são em dólar), cortes de pessoal e operações financeiras.
 


No período, houve um crescimento de receita líquida de 14% em relação ao quarto trimestre de 2019, R$ 9,8 bilhões.
"A pandemia impactou fortemente, mas os resultados do quarto trimestre mostram que estamos em recuperação", disse o presidente da empresa, Francisco Gomes Neto.

No ano, o Ebit (resultado operacional) foi de R$ 523,7 milhões negativos, o que foi celebrado pela empresa como um resultado bom ante o cenário mundial.

A queda abrupta na entrega de aeronaves, a maior da história recente da Embraer, se explica devido à interrupção da demanda de companhias aéreas por causa da Covid-19.

Segundo dados da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), o tráfego de passageiros caiu 65,9% em 2020, com previsão de uma retomada desigual, chegando aos níveis pré-crise apenas em 2024.

Com isso, a Embraer entregou 34% a menos aviões no ano passado em relação a 2019, 130 ao todo. A queda foi mais acentuada na aviação comercial, de 51% (44 aeronaves entregues), do que na executiva (56 jatos leves e 30 grandes entregues).

Boa parte disso veio no último trimestre, 28 aviões comerciais e 43 executivos, época em que sazonalmente se concentram entregas no mercado. A recuperação do mercado de jatinhos tem sido mais acentuada em todo o mundo.
Assim, a aviação executiva somou 29% da receita líquida da empresa, semelhante à comercial (30%). Serviços somam 24% do bolo.

O outro problema que atingiu a fabricante aeronáutica foi o fim de seu casamento proposto com a gigante americana Boeing.

O namoro havia sido iniciado em 2017, sendo autorizado pelo governo brasileiro, detentor de uma ação especial com poder de veto sobre a ex-estatal brasileira, em 2019.

Durante um ano, equipes trabalharam para destrinchar a divisão de aviação comercial da Embraer para vendê-la para a Boeing, um negócio de US$ 4,2 bilhões (R$ 23 bilhões hoje) no qual os brasileiros ficariam com 20% das ações da nova companhia.

Só que a Boeing foi atingida pela grave crise do modelo 737MAX, seu maior best-seller, que passou quase dois anos proibido de voar por problemas de desenho e de software que geraram dois acidentes com 346 mortos em 2018 e 2019.
Pressionada, a empresa desistiu da compra da Embraer quando ficou claro que a pandemia destroçaria o mercado aéreo mundial. Alegou que os brasileiros não haviam cumprido parte do acordo, o que a Embraer contesta em uma arbitragem sigilosa em curso nos EUA.

Em janeiro de 2020, a empresa brasileira desembolsou R$ 98 milhões e parou sua linha de produção por um mês para fazer os ajustes finais do desacoplamento.

Pelo acerto inicial, a Embraer remanescente focaria em jatos executivos, segurança e defesa, mas tudo isso implicou um intrincado processo de separação de áreas, como a engenharia.

Com o fim do acordo com a Boeing, anunciado pelos americanos em abril, tudo teve de ser refeito. A Embraer está tentando reaver o dinheiro investido, mas o estrago nas contas já antes do advento da pandemia estava feito.

A vida segue dura para os americanos: a maior empresa aeroespacial do mundo teve um prejuízo de astronômicos US$ 11,9 bilhões (R$ 65 bilhões hoje) em 2020. Sua rival europeia Airbus sofreu menos, em termos: € 1,13 bilhão (R$ 7,4 bilhões hoje) em perdas no ano.

O céu segue nebuloso. "A crise não acabou, mas acreditamos que estaremos prontos para uma retomada em 2022", disse Gomes Neto.

Com efeito, a Embraer afirmou não ser possível fazer estimativas de desempenho para 2021. A ascensão de variantes mais perigosas do novo coronavírus impediu, por exemplo, a recuperação do mercado doméstico no Brasil.

Em janeiro, o movimento de passageiros já havia atingido 79% do nível pré-crise, com a maior taxa de ocupação média de aeronaves dos grandes mercados mundiais: 82%. Em fevereiro, contudo, a curva inverteu e o nível caiu a 52% de antes da pandemia.

O Brasil não é o principal país de operação da Embraer, onde só auferiu 10% de sua receita líquida em 2020.
A empresa é forte nos EUA (67% da receita) e na Europa (14%), mas o movimento brasileiro acende um sinal de alerta sobre o efeito das novas variantes sobre a demanda dos passageiros.

Do ponto de vista financeiro, a Embraer reportou uma situação de caixa boa, com R$ 14,3 bilhões, mais do que os R$ 11,2 bilhões de 2019. Sua carteira de pedidos firmes é de US$ 14,4 bilhões (cerca de R$ 80 bilhões nesta sexta), 15% a menos do que no ano anterior.

Contribuíram para isso operações de reversão para a provisão de perda de crédito e o corte de 12,5% de sua força de trabalho, que era de 20 mil pessoas antes da crise. Parte foi demitida (900) e outra parte (1.600), aderiu a um programa de demissão voluntária.

Os custos trabalhistas do processo, R$ 80,3 milhões, foram absorvidos também pela baixa de ativos e da recuperação de valor de sua participação na Republic Airways, holding de empresas regionais americanas que tem a maior frota de aviões da Embraer em operação no mundo.

Por fim, houve notícias promissoras na sua divisão de Defesa e Segurança. A Hungria tornou-se o segundo país da Otan (aliança militar ocidental), após Portugal, a comprar o cargueiro C-390 -cujo quarto modelo, de 28 encomendados, foi entregue à Força Aérea Brasileira.

O avião de ataque leve Super Tucano segue sua carreira internacional, com 16 novas entregas. A área de defesa respondeu por 17% da receita líquida da empresa em 2020, e responde por 25% do valor da carteira de pedidos.