Crise da pandemia acentua dependência de governador do Rio ao clã Bolsonaro
O governador tem sofrido pressão para não endurecer medidas de combate a Covid-19 por parte de Bolsonaro
Sob pressão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de quem recebe mensagens via WhatsApp inclusive durante a madrugada, o governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), resistiu nos últimos dias a adotar restrições mais duras contra o recrudescimento da pandemia do novo coronavírus.
A resistência à suspensão de atividades em setores não essenciais, como bares e restaurantes, colocou o governador em conflito com o prefeito da capital, Eduardo Paes (DEM), que tentava consenso no estado para a adoção das medidas, recomendadas por especialistas.
A divergência tornou-se pública nas redes sociais nesta segunda-feira (22). Além da objeção do presidente, reafirmada por Bolsonaro em um telefonema na tarde desta segunda-feira, Castro também se rendeu aos apelos do setor produtivo fluminense, que divulgou nota contrária ao fechamento do comércio.
Se Castro já havia começado seu governo em dívida com clã Bolsonaro para garantir sustentação à sua administração, a dependência aumentou com a mais recente pressão sobre o sistema de saúde.
Nesta segunda-feira, o Rio de Janeiro tinha 85% dos leitos de UTI da rede SUS ocupados. Castro quer que essa demonstração de lealdade seja recompensada com a abertura de leitos inativos em hospitais federais e obtenção de auxílio para contratação de pessoal.
Na sexta-feira (19), o governador recebeu um telefonema do gabinete do presidente, que o convidou para uma reunião em Brasília na próxima quarta-feira (24). Castro, que embarca nesta terça-feira (23) para a capital, quer aproveitar a viagem para garantir o socorro à saúde estadual.
Naquele dia, o governador interino anunciou nas redes sociais que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, havia se comprometido a abrir 150 leitos para pacientes com Covid-19 na rede federal. "Estamos na corrida para salvar vidas!", comemorou.
A meta é abrir 500 leitos no Estado. Na visita a Brasília, onde será acompanhado pelo primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), Castro vai solicitar a estadualização temporária de dois hospitais federais para atendimento de pacientes de Covid-19.
Castro investia em seu relacionamento com a família presidencial, o prefeito Eduardo Paes buscava apoio do prefeito de Niterói, Axel Grael (PDT), para adoção de medidas restritivas, em resposta ao aumento da transmissão da doença.
Em entrevista nesta segunda-feira, quando anunciou a suspensão na capital das atividades presenciais de setores não essenciais, Paes afirmou que adiou a decisão porque ainda tentava buscar um acordo com o governo estadual.
"O ideal seria que a gente estivesse comunicando de maneira integrada medidas que dessem clareza para a população. Infelizmente isso não foi possível", disse.
No dia anterior, Paes e Castro se reuniram para tratar de novos decretos, mas não alcançaram um consenso. Em entrevista ao jornal O Globo, o prefeito afirmou que o governador chegou com um "pacote pronto", fechado para o diálogo.
No sábado (20), véspera do encontro agendado com o prefeito, o governador havia se encontrado com empresários e comerciantes, com os quais se comprometeu não suspender as atividades. Paes não foi convidado para a reunião.
Na segunda-feira, o prefeito expôs sua contrariedade nas redes sociais. Após Castro afirmar ao portal G1 que o decreto estadual, menos rígido, se sobreporia ao municipal, Paes escreveu: "CastroFolia! A micareta do governador! Definitivamente ele não entendeu nada do objetivo de certas medidas".
Há dez dias, em entrevista à imprensa, o próprio governador havia reconhecido que os municípios têm autonomia para adotar restrições mais duras que o estado, a depender do cenário na rede de saúde da localidade.
Naquela ocasião, Castro havia marcado um encontro com empresários e prefeitos da Região Metropolitana para anunciar medidas restritivas em acordo com o setor produtivo, limitando apenas o horário de funcionamento das atividades.
O governador tentou passar a mensagem de que todas as determinações seriam construídas junto aos prefeitos, em permanente diálogo.
Naquele dia, afirmou que no Rio não haveria "governador brigando com governador" e "governador brigando com presidente", em aparente referência ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com quem havia se estranhado publicamente naquela semana.
Nesta terça-feira (23), o governador conversará com cerca de 90 prefeitos, divididos em regiões, por teleconferência.
Pouco experiente, Castro tem tentado se viabilzar para as eleições de 2022 como um político que transita entre diferentes partidos e linhas ideológicas. Por isso, ser tachado como um negacionista da pandemia, assim como Bolsonaro, iria de encontro à estratégia do governador. Seu desafio será retribuir o suporte da família presidencial sem ganhar o rótulo.
Nos seis meses de administração, Castro fez indicações que agradaram nomes de diversos setores da política nacional: desde o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) até o ex-governador Anthony Garotinho e o deputado federal Rodrigo Maia (DEM).
Nos bastidores da política fluminense, a dúvida é se ele conseguirá aglutinar em torno de sua candidatura políticos que têm visões de mundo opostas e que, muitas vezes, são notórios desafetos.