Relatório acusa Facebook de permitir desinformação durante eleição nos EUA
A entidade destaca, entre as postagens, alegações falsas de fraude no pleito e acusações infundadas de que os democratas planejavam roubar a disputa
Levantamento divulgado nesta terça-feira (23) pela Avaaz, organização global de defesa dos direitos humanos, aponta que o Facebook permitiu a propagação de desinformação e de conteúdos que incitam a violência, tanto no período anterior à eleição presidencial nos EUA quanto depois do dia da votação.
A entidade destaca, entre as postagens, alegações falsas de fraude no pleito e acusações infundadas de que os democratas planejavam roubar a disputa. Outras mensagens espalhavam mentiras sobre o então candidato democrata e atual presidente americano, Joe Biden, além de afirmações sem contexto para exaltar supostos feitos do ex-líder dos EUA Donald Trump.
A Avaaz analisou publicações que a entidade identificou com os cem perfis mais populares no Facebook e que repetidamente compartilhavam informações falsas ou incorretas. Assim, segundo o estudo, a rede de Mark Zuckerberg falhou ao não prevenir estimados 10,1 bilhões de visualizações dessas páginas e ao permitir que 32 milhões de usuários seguissem perfis que glorificam a violência.
O levantamento também aponta que esses conteúdos, mesmo considerados por agências de checagem parceiras do Facebook como falsos ou incorretos, concentraram estimados 162 milhões de visualizações em três meses de 2020. Além disso, mais de 90 milhões de eleitores teriam entrado em contato com conteúdos falsos sobre fraudes no pleito americano.
A análise, realizada entre outubro de 2019 e fevereiro 2021, busca calcular o que a Avaaz chama de "escala do fracasso do Facebook". "O estudo mostra que os eleitores americanos foram bombardeados com informação falsa e enganosa na plataforma durante cada etapa do ciclo eleitoral de 2020", afirma, em comunicado, Laura Moraes, coordenadora sênior de Campanhas da Avaaz.
Na avaliação de Moraes, os números apresentados mostram o papel da rede social em fornecer um terreno fértil que, segundo a organização, "contribuiu para a radicalização de milhões e ajudou a criar as condições para que a invasão do Capitólio se tornasse realidade".
Em nota enviada por meio de sua assessoria, o Facebook afirma que o "relatório distorce o trabalho sério feito para lutar contra o extremismo violento e a desinformação na nossa plataforma" e que a Avaaz usa metodologia falha, segundo a qual todo o conteúdo de uma página é classificado como problemático a partir de um só conteúdo considerado falso por uma das agências parceiras.
Segundo a Avaaz, num primeiro filtro, feito entre 1º de outubro de 2019 e 30 de setembro de 2020, foi considerado apenas o conteúdo classificado pelas agências de checagens parceiras da rede social como falso ou errôneo. O segundo passo foi selecionar posts com mais de 5.000 interações ou dez compartilhamentos individuais em páginas, grupos ou perfis verificados.
Foram excluídas mensagens corrigidas posteriormente ou com referências claras de que se tratavam de informação falsa, além de posts compartilhados por perfis de sátira.
A metodologia, de acordo com a entidade, levou a 343 reivindicações diferentes de conteúdos compartilhados por páginas, perfis verificados, grupos e usuários identificados como propagadores de posts falsos ou enganosos. Páginas foram colocadas em análise caso tenham divulgado informações incorretas em ao menos duas postagens com até 90 dias de diferença entre elas.
Na nota, o Facebook defende ainda ter feito mais do que qualquer outra empresa de tecnologia para "combater conteúdos nocivos, já tendo removido mais de 900 movimentos militarizados". "Removemos também dezenas de milhares de páginas, grupos e contas sobre QAnon dos nossos aplicativos", afirma a empresa, em referência aos seguidores da teoria da conspiração segundo a qual o governo americano é comandado por uma seita de pedófilos que Trump tentava destruir.
Mesmo assim, a Avaaz acusa a plataforma de demorar a agir, apesar de avisos de diversas entidades sobre a propagação de informações incorretas em torno da eleição presidencial. Segundo o relatório, somente em outubro do ano passado o Facebook tomou providências para conter essas páginas –o pleito ocorreu no dia 3 de novembro, e eleitores podiam votar antecipadamente.
Para chegar ao número estimado de 10,1 bilhões de visualizações de conteúdos considerados falsos, a Avaaz considerou todas as publicações das cem páginas analisadas. Segundo a organização, é levado em conta o todo -e não apenas os posts classificados como incorretos- por dois motivos.
Primeiro, diz a entidade, porque esse tipo de conteúdo não se espalha isoladamente -é compartilhado por quem propaga outros tipos de informação para conseguir mais seguidores e fazer com que a desinformação se torne viral. Depois, porque, quando usuários interagem com essas páginas, eles podem ter sido atraídos por um conteúdo cuja informação é verdadeira, mas acabam expostos a posts falsos.
A Avaaz destaca que, apesar de a maioria (60%) das páginas ter inclinação à direita, 32% delas possuíam viés à esquerda, e 8% não tinham posição política clara, o que mostra que a desinformação atinge os dois lados do espectro político, acentuando a polarização.
Segundo o relatório, esses conteúdos tiveram um forte impacto no eleitorado americano. Nos dias que antecederam a eleição, a organização realizou uma pesquisa em que 44% dos eleitores registrados entrevistados afirmaram ter visto no Facebook informações incorretas sobre fraude nos votos por correio –e 35% disseram ter acreditado nos conteúdos.
O documento ressalta que esse tipo de levantamento, feito por meio de autodeclaração, muitas vezes apresenta viés, o que faz com que os números tenham certo grau de incerteza. A Avaaz, porém, diz que eles também sugerem fortemente que o Facebook teve um papel na conexão de milhares de americanos com desinformação sobre fraudes na disputa presidencial americana.
A Avaaz aborda ainda a falta de correção de fake news políticas. Estima-se que as cem histórias mais populares analisadas pela entidade somaram 158 milhões de visualizações em dez meses em 2019, número que chegou a 162 milhões em três meses do ano passado -mesmo que as afirmações falsas contidas nos posts tenham sido desmentidas por agências de checagem parceiras da plataforma.
Também foram registrados problemas na identificação das checagens de histórias que foram verificadas, mas não apresentavam a marcação correta. De acordo com a organização, a rede social poderia ter tomado medidas para informar retroativamente correções a todos quem foram expostos a essas histórias.
O mecanismo, chamado "Correct the Record" (corrija o registro), foi adotado alguns dias após as eleições, sendo posteriormente revertido pelo Facebook. Em relação a fake news ligadas à Covid-19, no entanto, a empresa emitiu esses alertas.
O New York Times publicou que a plataforma considerava aplicar a ferramenta no pleito, mas outros projetos, como o Centro de Informações sobre Eleições, tiveram prioridade, e a plataforma teve de fazer "escolhas difíceis". Funcionários do Facebook, no entanto, afirmaram ao jornal americano que a medida foi "vetada por executivos de políticas que temiam a exibição desproporcional de notificações a pessoas que compartilhavam notícias falsas de sites de direita".
Para Moraes, da Avaaz, a "descoberta mais preocupante é que o Facebook tinha as ferramentas e a habilidade para proteger melhor os eleitores americanos de serem alvos desse conteúdo, mas a plataforma os usou apenas no último momento, depois que um estrago significativo já havia ocorrido".
O Facebook, na nota enviada por sua assessoria, reconheceu que a "aplicação de políticas não é perfeita", mas afirmou estar "sempre melhorando enquanto continuamente trabalhamos com especialistas externos para garantir que nossas políticas sigam atualizadas e equilibradas".
A coordenadora sênior da Avaaz chama a atenção para as possíveis consequências de "uma abordagem ineficaz" nas eleições de 2022 no Brasil. O relatório pontua ainda a oportunidade que a plataforma tem para agir em pleitos importantes, como no México, em Hong Kong e na Alemanha, programados para este ano, além da crise sanitária causada pelo coronavírus.
O documento pede, por fim, que a gestão Biden e o Congresso americano trabalhem numa regulação que trate de transparência na divulgação dos dados –já que a plataforma divulga e avalia sua performance com base em suas próprias métricas.
Também solicita que os legisladores não se limitem a investigar os atores da invasão do Capitólio e considerem o papel do Facebook como ferramenta facilitadora de mobilização e radicalização. "Os legisladores precisam agir antes que conspirações e insurreições se tornem um novo normal para as democracias ao redor do mundo", diz Moraes.