Pandemia

Novo ministro da Saúde assume com sistema em colapso e vacinação lenta

Um ponto crucial levantado por todos é a necessidade de o Ministério da Saúde voltar a ter técnicos experientes em seus principais quadros

Marcelo Queiroga - Raul Spinassé/Folhapress

Após tomar posse em cerimônia fechada e fora da agenda oficial, o médico cardiologista Marcelo Queiroga assume o comando do Ministério da Saúde em meio ao pior momento da epidemia da Covid-19, com situações de colapso na rede de saúde em diferentes estados, lista de espera para obter vagas em UTIs e crise na oferta de medicamentos essenciais a pacientes graves.

Além desses problemas, o novo ministro deve ter como missão acelerar o plano de vacinação contra a Covid e lidar com o impacto já presente no sistema de saúde por atendimentos represados.

Gestores públicos e privados, médicos e outros profissionais da saúde ouvidos pela reportagem são unânimes: só com coordenação nacional, autonomia para tomar decisões técnicas, união da sociedade civil e ajuda internacional haverá alguma chance de enfrentar a crise, que deve continuar nos próximos meses.

Um ponto crucial levantado por todos é a necessidade de o Ministério da Saúde voltar a ter técnicos experientes em seus principais quadros.

"Essa militarização baixou dramaticamente a qualidade e a capacidade de intervenção. O ministério está ocupado por gente que nunca trabalhou com política pública de saúde, não sabe o que é SUS", diz José Carlos Temporão, ex-ministro da Saúde, médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz.

Para ele, se a pasta tivesse uma equipe técnica competente com bons gestores, muitas das crises, como falta de oxigênio e de drogas para intubação, já estariam sanadas.

 



Francisco Balestrin, presidente do SindHosp (sindicato paulista dos hospitais privados, clínicas e laboratórios), vai na mesma linha. "É preciso que retornem a competência técnica operacional do ministério. Sem isso, teremos um novo 'vice ministro da Saúde' sem ação, sem equipe e sem resultados."

A ausência de coordenação nacional das ações de enfrentamento da epidemia é apontada por secretários municipais e estaduais de Saúde como um dos principais problemas enfrentados nos últimos meses.

Sem apoio e diretriz federal, estados e municípios tiveram que tomar boa parte das decisões por conta própria.

"Precisamos que ele assuma com senso de urgência, porque todos os dias estamos perdendo milhares de vidas", diz André Longo, secretário de Saúde de Pernambuco e vice-presidente do Conass, conselho que reúne gestores estaduais da área.

"A primeira questão é resgatar o papel de coordenador nacional e gestor federal do SUS. Precisamos ter o sentimento de que há uma coordenação nacional dessa crise. Se pudesse unir nessa coordenação Executivo, Legislativo e Judiciário para que medidas sejam adotadas, seria importante."

César Fernandes, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), diz que o país precisa de discursos em consonância, pautados por evidências.

Para Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a articulação da pasta da saúde com o Ministério da Economia também seria importante para a tomada de ações que permitam o isolamento social, como um auxílio emergencial de pelo menos R$ 600 por mês até o fim da pandemia e ajuda às empresas contra falências e demissões.

Diante da escassez de vacina, uma das saídas, segundo os especialistas, é trabalhar na diplomacia da saúde. "Buscar entre os países amigos doses adicionais", diz Temporão.

Para Rubens Belfort Júnior, presidente da ANM"(Academia Nacional de Medicina, além de tentar todas as vias diplomáticas possíveis para obter mais vacinas o quanto antes, o país precisa se preparar para a chegada delas, com logística e infraestrutura. "Tem lugar que não tem freezer, geladeira. Precisamos de união nacional para que, assim que chegarem, essas vacinas sejam imediatamente usadas."

Mas, para isso, ele defende que o Ministério da Saúde levante todas as necessidades de estados e municípios e envolva a sociedade civil na busca de soluções.

Para André Longo, do Conass, é fundamental que se monte um plano nacional de garantia de insumos, como medicamentos e equipamentos que já faltam em alguns estados e distribuição de cilindros de oxigênio para estados em maior dificuldade.

Especialistas dizem que, neste momento, o novo ministro não terá outra saída senão estimular a adoção de medidas restritivas de circulação.

"Regiões podem ser fechadas, mas tem que fechar todo mundo junto, não adianta um município adotar lockdown e o outro não", diz Temporão.

"Temos que fazer uma análise crítica sobre como adotar essas medidas restritivas. Por regiões? Por estados? Por setores? Falta uma discussão objetiva e baseada em dados. Quais as melhores estratégias que funcionaram em outros países? O que podemos aprender?", diz Belfort Júnior.

Sobre a crise da falta de medicamentos para intubação, Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista e professor da USP, diz que, diante do esgotamento da capacidade produtiva nacional e da dificuldade de importação, tem discutido com anestesistas uma alternativa aos relaxantes musculares e anestésicos tradicionalmente usados.

"Talvez uma saída é investir nos anestésicos alogenados, que são gases anestésicos. São mais difíceis de usar, mas os anestesistas sabem utilizar esse produto e ele não está em falta no mercado."


Para Marcos Machado, presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), a escassez de remédios e insumos usados no contexto da Covid-19, a maior parte deles importada da China e da Índia, acontece não apenas pelo aumento repentino na demanda mas também porque os preços também tiveram um aumento expressivo, o que dificulta que municípios e estados façam suas compras sozinhos.

"Uma saída seria fazer uma licitação única. Os preços ficam melhores se é feito um pedido só maior", diz Machado.
Suzana Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), afirma que a falta de vagas em UTIs e o aumento anormal da demanda por vagas de leitos tornam urgente a adoção de critérios técnicos-científicos de triagem dos pacientes que devem ocupar os leitos disponíveis.

"É uma escolha de Sofia. O objetivo é tirar o peso dessas decisões difíceis das costas dos profissionais da saúde e salvar as vidas com potencial de serem salvas."

Segundo ela, a escassez de recursos humanos, de insumos farmacológicos e de material de apoio transcende a simplicidade do uso dos centros cirúrgicos como terapia intensiva, solução que muitas instituições têm adotado. "A transformação da sala de cirurgia em UTI deve ser pontual. É uma exceção, não regra."

Gestores estaduais também pleiteiam a retomada do plano de ampliação de testagem e aumento no fornecimento de testes específicos, como o de antígenos.


"O que alguns países fizeram de diferente na segunda onda foi incorporar o teste de antígeno para ampliar a testagem. Há uma promessa para fazer aquisição em massa disso, mas não saiu do papel", diz Longo.


Também há pendências ainda no financiamento de leitos em vários estados. "Eu, por exemplo, abri 400 leitos novos de UTI e não tenho garantia ainda de que o ministério vai honrar o pagamento de todos esses leitos."

Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems, que reúne gestores municipais de saúde, também se queixa de ainda não haver um orçamento da União aprovado.

"No ano passado tivemos recursos [extraordinários] a mais e neste ano não há previsão. Não dá para fazer planejamento."
Além de não ter aumento nenhum, foram retirados recursos da atenção básica na previsão do orçamento, e não há possibilidade alguma de expansão da saúde da família.

E há ainda toda a demanda de diagnósticos e tratamentos não Covid-19 represados. "O número de diagnósticos caiu muito. Temos estimativa de 1,1 milhão de atendimentos represados. Assim que passar a pandemia, vamos ter um passivo para correr atrás muito grande."