COVID-19

Mesmo com vacinas, medidas sanitárias devem permanecer; entenda como agem os imunizantes

Com a ampliação gradual da etapa de vacinação contra a Covid-19, a imunização à doença, aos poucos, vem sendo conquistada. Mas, até atingir a população em grandes proporções, as medidas sanitárias precisam permanecer

Medidas sanitárias devem permanecer, mesmo entre os vacinados - NELSON ALMEIDA / AFP

Desde que foram anunciadas, ainda no início de dezembro de 2020, as vacinas contra a Covid-19 despontaram como uma das notícias mais promissoras da pandemia, trazendo a esperança pelo caminho da ciência e sendo vista como um elemento que seria capaz de nos fazer voltar à normalidade. Grandes aliados no enfrentamento do contágio da doença, especialistas alertam que os imunizantes devem atuar em conjunto com as medidas sanitárias, já que fatores como a janela imunológica, a pouca celeridade no processo de vacinação e, até mesmo, a função das vacinas ainda não impedem totalmente o risco de contaminação.

Pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-PE) e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE), a cientista Ana Brito explica que a vacina leva um certo tempo até de fato proteger o organismo, chamado de “janela imunológica”. Além disso, como nenhuma das vacinas apresentam eficácia de 100%, elas não são capazes de impedir uma contaminação.

"As duas vacinas em uso no Brasil, a AstraZeneca e a CoronaVac, são aplicadas em duas doses, ou seja, são necessárias duas aplicações para que o corpo esteja imune ao vírus, e mesmo assim elas não vão impedir que a pessoa seja contaminada, porque nenhuma delas tem 100% de eficácia", explicou. Além disso, conforme a pesquisadora, existe um intervalo entre cada dose, que pode variar de 14, 21 ou até mesmo 30 dias, e é nessa brecha que a pessoa pode ser contaminada, porque somente a primeira dose não é capaz de induzir uma resposta imunológica potente. 

Esse foi o caso do aposentado Francisco Sousa, 77. No dia 03 de março, ele recebeu a primeira dose do imunizante da AstraZeneca/Oxford. Exatamente duas semanas depois, no dia 17 de março, estranhou o surgimento de alguns sintomas característicos do coronavírus. No dia 21, prestes a receber a segunda dose da vacina, que estava marcada para o dia 24, recebeu o exame que confirmava que ele estava contaminado com a Covid-19.

"No dia 17, ele começou a corizar pela manhã e isso continuou até à noite, quando ele também apresentou um pouco de febre. No dia seguinte, teve diarreia. Como não houve uma melhora, levamos ele para a emergência, onde tomou soro e não apresentou nenhum quadro infeccioso. Lá também ele fez o teste para a Covid-19, cujo resultado positivo saiu dois dias depois, confirmando que ele estava contaminado", explicou Evelin Sousa, filha de seu Francisco.

"A primeira dose funciona como uma chamada de atenção para que o nosso corpo entenda que aquilo que ele está recebendo se trata de um organismo estranho. Nesse momento, ele ainda não é capaz de responder com a produção de anticorpos. Após receber a segunda dose, que é a dose indutora da imunidade, o nosso corpo já sabe que aquilo se trata de um corpo estranho, porque já reconheceu que é o mesmo elemento que ele recebeu na primeira dose, e preparou um 'exército' de reservas que chamamos de imunoglobulinas, que são os anticorpos", detalhou Ana. Ainda assim, mesmo com as duas doses, o nosso corpo leva uma média de tempo de 15 dias, chamada de janela imunológica, para se defender de fato. 

Ana destaca ainda que, como a vacinação ainda caminha de forma lenta no país, o papel que esse imunizante deve desempenhar, sobretudo nessa fase inicial, é muito mais de minimizar os impactos da doença do que de impedir a contaminação em si. "No Brasil, a vacinação não está alcançando toda a população, portanto, não se pode pensar em uma imunidade coletiva (quando o índice de cobertura chega a 70%). O vírus continua transitando livremente e sendo transmitido. Por isso, o que se espera não é que a vacina interrompa a transmissão, porque ela não será capaz disso. O papel das vacinas, agora, é reduzir os quadros clínicos graves, as hospitalizações e as mortes, ou seja, se os vacinados forem contaminados, que eles sejam assintomáticos ou desenvolvam os sintomas na sua forma leve", detalhou a pesquisadora do Aggeu Magalhães, que lembrou que as medidas sanitárias devem permanecer, independentemente se a pessoa tenha se vacinado ou não.

Em Pernambuco, onde, até a sexta-feira, já haviam sido aplicadas 877.523 doses da vacina contra a Covid-19, das quais 668.535 foram primeiras doses e 208.988  foram de segundas doses, apenas a faixa etária acima dos 85 anos - que foi vacinada quase que completamente, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) - não registrou crescimento no número de internações, o que já seria um reflexo da vacina. “Nos indicadores entre os idosos com mais de 85 anos, nós já sentimos o efeito positivo da imunização. Nesta faixa etária, entre janeiro e março deste ano, foi registrada uma redução de 22% nas internações em leitos de UTI”, destacou o titular da SES-PE, André Longo. 

Redução de sintomas
Para seu Francisco, que ainda está se recuperando da Covid, a vacina, mesmo só tendo recebido a primeira dose, foi suficiente para amenizar o sofrimento com a doença. “Acredito que a vacina diminuiu bastante os sintomas, ainda mais por causa da minha idade e pelo fato de eu ter pressão alta, achei que meu quadro clínico poderia ser mais grave. Acho que a coriza tem persistido por causa da sinusite, que eu tenho. Além disso, não deixei de sentir cheiro nem gosto. Os outros sintomas já passaram, só o corpo continua mole e ainda estou indisposto”, desabafou.

Assim que recebeu o positivo para a Covid-19, seu Francisco foi orientado a não tomar a segunda dose naquele momento. De acordo com Demétrius Montenegro, médico infectologista do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), a indicação para que uma pessoa que saiba que está contaminada com a Covid-19 adie o recebimento do imunizante, seja primeira ou segunda dose, é por precaução e segurança das outras pessoas. “Caso uma pessoa não saiba que esteja contaminada e vá receber o imunizante, não há qualquer tipo de malefício para o corpo dela. A recomendação para alguém que esteja contaminado é de não receber o imunizante para proteger as outras pessoas, afinal o paciente está contaminado e precisa ficar isolado”, esclareceu Demetrius.



“Assim que a fase aguda da doença passar e houver a recuperação do paciente, ele deve se preparar para receber a segunda dose. É importante destacar que a primeira e segunda doses devem ser do mesmo imunizante”, complementou o infectologista, pontuando que não há estudos conclusivos apontando a eficiência com a mistura de duas doses diferentes no organismo no combate à doença. 

Ainda sobre a intercambialidade de doses, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi enfática na orientação. “A Anvisa alerta os profissionais de saúde e a população para que a administração da primeira e da segunda doses da vacina contra a Covid-19 seja realizada com vacinas do mesmo fabricante. Não existe, até o momento, informação sobre intercambialidade entre as vacinas utilizadas no Brasil, ou seja, não há dados que sustentem que a troca de fabricantes de vacinas entre a primeira e a segunda dose produza resposta imune ao Sars-CoV-2”, informa um comunicado publicado pela Anvisa. Ainda segundo a Agência, a identificação dessa troca entre a primeira e a segunda dose da vacina deve ser informada às autoridades de saúde.

Há ainda uma preocupação quanto à eficácia das vacinas na proteção contra as variantes. De acordo com Demetrius, ainda não há estudos conclusivos sobre a eficácia das vacinas, mas também não há indicativos de que as variantes consigam escapar do poder dos imunizantes. “Há estudos preliminares de que as vacinas protegem contra as variantes, mas é tudo preliminar. O que continuamos recomendando é que todos os cuidados devem ser mantidos, incluindo entre os já vacinados. Uso de máscara, limpeza das mãos, álcool e evitar aglomerações continuam sendo as melhores medidas para se proteger”, finalizou o infectologista.