Política

Aliado de Bolsonaro tenta ampliar poder do presidente na pandemia, mas líderes da Câmara barram

Vitor Hugo tentou obter apoio para votar a urgência do projeto na reunião de líderes na Câmara nesta terça-feira, mas eles acabaram barrando a iniciativa do deputado

Dep. Vitor Hugo (PSL - GO) - Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

 Aliado de Jair Bolsonaro, o líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo (PSL-DF), apresentou um projeto que daria poderes ao presidente da República para decretar mobilização nacional em questões de grave problema de saúde pública -como a pandemia da Covid-19.

A mobilização nacional é um instrumento legal que pode ser decretado para enfrentar uma eventual agressão estrangeira.
A Constituição dá ao presidente o poder de declarar mobilização nacional, que reúne atividades conduzidas pelo Estado para aumentar os recursos humanos e materiais disponíveis para a defesa, conforme conceito do Ministério da Defesa.

Todos os recursos humanos, financeiros e materiais, durante uma emergência seriam destinados aos esforços da mobilização nacional.
 


O projeto de Vitor Hugo, protocolado na Câmara há cinco dias, cria mais duas hipóteses para decretar a mobilização nacional: na saúde pública, diante de situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente de pandemia; e na Defesa Civil, diante de catástrofes de grandes proporções, decorrentes de eventos da natureza combinados ou não com a ação humana.

Foi justamente a primeira hipótese acrescida pelo líder do PSL que causou desconforto no Congresso. Parlamentares viram o texto como uma tentativa de criar um mecanismo legal para que a União pudesse interferir diretamente nas ações de estados e municípios, em meio a atritos entre Bolsonaro, governadores e prefeitos.

O Congresso ainda teria que dar autorização ao decreto presidencial. Ainda assim, o timing da apresentação do projeto, após a troca no ministério da Defesa e com a demissão de três comandantes das Forças Armadas, causou inquietação no Parlamento.

Vitor Hugo tentou obter apoio para votar a urgência do projeto na reunião de líderes na Câmara nesta terça-feira, mas eles acabaram barrando a iniciativa do deputado. O aliado de Bolsonaro, com isso, não conseguiu apoio para que a proposta tramite em regime de urgência.

O requerimento para regime de urgência na apreciação do texto foi assinado pelo líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), representando bloco com a vasta maioria dos deputados da Câmara.

Após a manifestação de diversos senadores condenando o projeto, durante sessão plenária, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), manifestou-se afirmando que não vai permitir qualquer proposta que atente contra o Estado democrático de Direito.

"O foco é o enfrentamento da pandemia. Eu não admitirei que se desvie o foco desse enfrentamento por absolutamente ninguém que possa criar um fato externo e queira confundir o Senado, que queria confundir a Câmara dos Deputados. Isso será inadmissível no momento em que nós precisamos arrumar oxigênio, insumos, medicação, leitos de UTI e vacina para as pessoas", afirmou o presidente do Senado.

"Nós temos de conter qualquer tipo de lei ou projeto de lei ou iniciativa legislativa que contrarie a Constituição Federal. O controle de constitucionalidade primeiro cabe às Casas Legislativas, e nós não permitiremos transigir ou flertar com qualquer ato ou qualquer iniciativa que vise algum retrocesso ao Estado democrático de direito. Não há absolutamente esse risco", completou.

Antes da sessão, Pacheco já havia dito que não iria permitir que "fatos paralelos possam estabelecer uma cortina de fumaça sobre o grande problema nacional de hoje que é a pandemia que nos assola de maneira muito severa, matando brasileiros e brasileiras".

Na avaliação do ex-presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), o projeto é flagrantemente inconstitucional. "Ele busca criar um novo instituto de emergência constitucional fora da Constituição", critica.

O deputado lembra que, apesar de ser necessário obter autorização do Congresso, o quórum de votação é baixo -maioria absoluta, ou seja, mais da metade dos deputados. "Entendo, inclusive, que a mobilização é um consectário da declaração de guerra."

Na sessão deliberativa desta tarde, o deputado Airton Faleiro (PT-PA) lembrou que a tentativa de votar o projeto foi feita antes de 31 de março.

"E o Congresso brasileiro, o Parlamento brasileiro tem que dizer ''não' ao golpe, tem que dizer ''não', e tem que parar o Bolsonaro antes que ele pare o Brasil de uma vez", afirmou.

O deputado Jorge Solla (PT-BA) também criticou o texto. "Em vez de estimular a vacinação dos servidores da segurança pública, como o governador da Bahia já começou a fazer no nosso Estado, de forma pioneira, em vez de defender a vida e a saúde dos trabalhadores, eles estimulam a mentira, o ódio, o motim, a sublevação, o golpe."

Mais cedo, em reunião da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, Vitor Hugo negou que o projeto fosse uma tentativa de golpe pelo governo.

"O projeto que eu apresentei e que defendi na reunião do colégio de líderes hoje não inova no ordenamento jurídico no sentido de causar qualquer dano a nenhum direito individual ou garantia constitucional", afirmou. "E não representa, como algum deputado defendeu e foi publicado inclusive em sites, que seria um golpe sanitário, já que não há golpe que seja feito que seja avalizado pelo Congresso Nacional."

Ele ressaltou que a mobilização nacional só seria decretada por autorização do Congresso após provocação do presidente. "Sempre haverá o controle do Parlamento para que medidas como essa pudessem ser decretadas", ressaltou.
"Não é um golpe em curso, não tem intenção de questionar autoridade dos policiais militares em torno dos seus respectivos governadores."

O projeto de lei ganhou destaque no dia em que os comandantes os comandantes Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) apresentaram suas renúncias conjuntamente por discordarem do presidente Jair Bolsonaro.

No dia anterior, Bolsonaro havia demitido o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo. Seu substituto é o general Walter Braga Netto, próximo a Bolsonaro e que era até então o chefe da Casa Civil da Presidência.
Ao deixar o cargo, Azevedo divulgou uma nota na qual afirma ter preservado "as Forças Armadas como instituições de Estado".

O presidente do Senado afirmou não ver ameaças à democracia no Brasil, mas afirmou que está vigilante e que o Legislativo não vai permitir "qualquer tipo de retrocesso ao Estado democrático de Direito".

"As Forças Armadas são forças que não promovem a guerra, mas asseguram a paz. E as nossas Forças Armadas, que são dignas de aplausos em razão da sua qualidade, da sua eficiência, do seu compromisso público, do seu compromisso com a democracia, devem ser enaltecidas. E não há nenhum tipo de risco que seja algo diferente disso", afirmou, durante sessão no Senado.

"Esta presidência confia e acredita que não nem a mínima iminência de algum risco ao Estado democrático de Direito, mas, se houvesse ou se houver, evidentemente, caberá a esta presidência verbalizando e vocalizando o sentimento do plenário, reagir, reagir na forma constitucional, na forma legal, na forma institucional para evitar que haja qualquer tipo de retrocesso", completou.

Antes da sessão, portanto antes da manifestação dos demais senadores, que manifestaram preocupação com os eventos recentes, em especial as mudanças nas Forças Armadas, Pacheco havia adotado um tom mais ameno.
Disse que enxergou com "naturalidade" a substituição do titular do Ministério da Defesa, assim como dos comandantes das forças. Pacheco disse que esses assuntos eram afeitos às Forças Armadas e que não se permitia fazer "especulações" sobre as intenções de Bolsonaro.

Contrariando a tendência dentro do Congresso, o presidente do Senado minimizou as trocas no topo do comando das Forças Armadas. Pacheco disse que se trata de uma prerrogativa do presidente indicar os nomes para esses postos e que as mudanças não deveriam ser vistas como algo excepcional.

"Eu considero algo que deve ser enxergado como uma mudança por parte do Ministério da Defesa dessas posições, algo que deve ser considerado por eles próprios. É uma questão afeta ao Ministério da Defesa, às próprias Forças Armadas", afirmou, ao chegar para a sessão plenária do Senado.

Pacheco enalteceu o trabalho dos comandantes demissionários e desejou boa sorte aos novos ocupantes dos cargos. Disse também que tem grande confiança de que as Forças Armadas respeitam o Estado democrático de Direito.

"As Forças Armadas que têm um compromisso constitucional de não promover a guerra, mas de preservar e garantir a paz. Esse é o compromisso das nossas Forças Armadas, de defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito, nós temos plena e absoluta confiança nisso, nesse amadurecimento civilizatório do Brasil, de preservação absoluta do Estado democrático de Direito, do qual fazem parte as Forças Armadas", afirmou.

"Então enxergo com naturalidade, isso precisa ser tratado dentro de um universo próprio das Forças Armadas, do Ministério da Defesa, sem nenhum tipo de especulação, que não seja de uma troca de comando", completou.
Frente à insistência dos questionamentos dos jornalistas, Pacheco afirmou que deve "confiar" em Bolsonaro, de que as trocas tenham sido feitas dentro da legalidade.

"O Ministério da Defesa, assim como o Ministério da Infraestrutura, do Meio Ambiente, da Economia, das Minas e Energia, é uma prerrogativa do presidente escolher os nomes que lá estarão. Não me permito fazer nenhum tipo de especulação sobre uma motivação que não seja a do aprimoramento do governo, uma busca de se ter uma melhor relação, por uma maior produtividade por parte do governo federal", completou.