EUA citam ataques de Bolsonaro contra imprensa em relatório de direitos humanos
O documento destacou ataques do mandatário contra jornalistas
O relatório anual sobre Direitos Humanos dos Estados Unidos, divulgado nesta terça-feira (30) pelo Departamento de Estado, levantou uma série de preocupações sobre o Brasil -o país é um dos quase 200 analisados pelo documento que destaca a deterioração dos direitos humanos no ano passado.
No caso brasileiro, as citações vão desde "assassinatos ilegais ou arbitrários cometidos pela polícia" e "atos generalizados e corrupção" até "violência contra jornalistas" -diretamente relacionada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O documento destacou ataques do mandatário contra jornalistas, citando um relatório da ONG Repórteres Sem Fronteira que diz que o presidente criticou a imprensa, verbalmente ou em redes sociais, 53 vezes no primeiro semestre de 2020.
Uma das investidas citadas foi a resposta dada a um repórter, em agosto de 2020, que questionava sobre os depósitos de Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. O presidente respondeu: "A vontade é encher tua boca com porrada, tá?".
O ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e a mulher dele repassaram R$ 89 mil para a conta da primeira-dama. Inicialmente, o presidente rebateu o jornalista do jornal O Globo perguntando sobre os supostos repasses mensais feitos pelo doleiro Dario Messer à família Marinho, proprietária da Rede Globo –a família nega qualquer irregularidade.
Após a insistência do repórter sobre os pagamentos à primeira-dama, Bolsonaro afirmou ter vontade de agredi-lo.
O relatório americano cita também as entrevistas do presidente em frente ao Palácio do Alvorada. "Vários jornalistas foram submetidos a agressões verbais [...] levando uma coalizão de organizações da sociedade civil a abrir um processo civil contra o governo por não proteger os jornalistas naquele local."
O texto lembra a decisão da Folha e de outros veículos de suspender a cobertura dessas entrevistas informais por falta de segurança. Os profissionais ali eram hostilizados também por apoiadores do presidente, o que levou o governo a adotar "medidas adicionais para manter os jornalistas separados dos civis reunidos do lado de fora", segundo o relatório.
Além dos ataques à imprensa, o documento cita ações diretas de Bolsonaro outras duas vezes. Primeiro, menciona o decreto assinado para políticas de ensino a crianças com deficiência, com a observação de que "a política pode resultar em menos opções de escolaridade" para esses jovens. Em dezembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a medida.
E ainda menciona as ações adotadas pelo governo federal contra a Covid-19 nas comunidades indígenas –mas ressalta que "líderes indígenas fizeram declarações públicas enfatizando que muito poucos desses recursos foram entregues às suas comunidades".
O documento cita ainda diversos casos de violência policial e afirma que membros das forças de segurança cometeram vários abusos. O relatório usa como base os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que mostram que 5.804 civis foram mortos pela corporação em 2019.
O Rio de Janeiro foi responsável por 30% do total nacional, apesar de representar apenas 8% da população. Sobre os crimes dentro do estado, o documento menciona João Pedro Matos Pinto, 14, que morreu após ser baleado dentro da casa de seu tio em São Gonçalo, durante uma operação policial. "Até agosto, ninguém havia sido indiciado ou preso", diz o texto.
O relatório afirma que o governo processou funcionários, mas destaca que a impunidade das forças de segurança é um problema, além da demora na justiça.
O documento também aborda a violência política. Com dados da ONG Terra de Direitos e Justiça Global, são contabilizados 327 casos, incluindo assassinato, ameaças, violência física e prisões de políticos ou candidatos entre 2016 e setembro de 2020. Segundo o texto, 92% deles tiveram como alvo aqueles que atuam em nível municipal.
Segundo os dados, nove políticos foram mortos no Rio em 2019. O relatório lembra o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes, em março de 2018.
O texto traz a prisão dos ex-policiais Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz e o julgamento preliminar que começou em junho de 2019, mas ressalta que, até agosto, a polícia não havia identificado quem ordenou o crime, e o julgamento dos dois acusados não tinha data marcada.
documento acusa abusos de rivais americanos O relatório aponta também abusos cometidos pela Rússia, com a repressão a opositores políticos, e a China, na questão dos uigures.
"As tendências em direitos humanos continuam indo na direção errada", disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. O chefe da diplomacia americana afirmou que alguns governos usaram a crise do coronavírus como um "pretexto para restringir direitos e consolidar o regime autoritário".
Na China, o Departamento de Estado aponta o desaparecimento de quatro jornalistas cidadãos que relatavam o início do surto de Covid-19 em Wuhan. Também fala que pesquisadores que se desviaram das narrativas oficiais sobre a pandemia enfrentaram perseguição, censura e, em alguns casos, intervenções por universidades e polícia.
Ainda sobre o governo de Pequim, o texto usa linguagem mais assertiva para descrever o programa de detenção em massa na província de Xinjiang. Além dos mais de 1 milhão de uigures e outros grupos de minorias étnicas muçulmanas que dizem estar em campos de internamento extrajudiciais, o relatório disse que havia "mais 2 milhões submetidos a treinamento diurno de 'reeducação' apenas", referência que não estava no documento do ano anterior.
O relatório sobre a Rússia destaca o caso de um dos principais opositores do Kremlin, Alexei Navalni, preso no início deste ano ao voltar ao país após receber tratamento por ter sido envenenado. O texto afirma que relatórios confiáveis indicam que oficiais do Serviço de Segurança Federal da Rússia (FSB) envenenaram Navalni.
Blinken disse ainda que um adendo do documento deve ser lançado no fim do ano para englobar questões como saúde reprodutiva, que inclui informações sobre mortalidade materna e discriminação contra as mulheres no acesso à saúde sexual e reprodutiva, tópico removido pelo governo do ex-presidente Donald Trump.