Tem formiga no prato: o sucesso das tanajuras e outros insetos na culinária
"Ingredientes" que poderiam provocar repulsa e estranhamento ganham cada vez mais espaço no consumo brasileiro
Entre o amor e o ódio, a tanajura divide opiniões. Quem gosta, ama. Quem não curte, detesta. Famosa no Norte e Nordeste do País, a iguaria é uma contribuição indígena na culinária brasileira, com caráter científico e folclórico. Mais comum em áreas não-urbanas, cai ao vento em períodos chuvosos.
Também conhecida como “içá”, chegou a ser comparada ao caviar pelo escritor Monteiro Lobato. A tanajura é uma formiga da espécie saúva, nome comum dado às formigas do gênero Atta. Sua coleta ou caça é motivo de diversão entre crianças e adultos. E há quem faça desta prática uma renda extra, pois não é em qualquer época do ano que ela está disponível.
Na gastronomia, geralmente é consumida assada na manteiga com farinha de mandioca. Mas, de acordo com a chef pernambucana Sofia Mota, inovações já chegaram para combinar com a iguaria. “Já participei de um dos eventos da revista Prazeres da Mesa e apresentei uma receita intitulada de cuscuz de mandioca com caviar içá. Dei aula apresentando a tanajura numa releitura bem indígena: um cuscuz de massa de mandioca na folha da bananeira com a tanajura torrada por cima”, relembra.
Ainda assim, há preparos de diversas maneiras, variando conforme a cultura de cada local. Há quem prefira comer crua, cozida em água e sal, torrada com as asas e ferrão, torrada na gordura e sem as asas, e com acompanhamentos como farinha, pão, macaxeira e, uma novidade, no recheio da pizza.
Nutritiva, a “carne” da içá tem alto valor proteico. Segundo o biólogo Eraldo Costa Neto, as formigas da espécie Atta contêm aproximadamente 44% de proteínas. Já as carnes de frango e boi possuem 23% e 20%, respectivamente. Esses insetos são também ricos em sódio, potássio, ferro e cálcio.
Por que comer inseto?
A cultura de comer insetos, ou a entomofagia, vem desde os primeiros habitantes da terra. Historiadores acreditam que antigos caçadores e coletores comiam por questão de sobrevivência. Na Bíblia, por exemplo, gafanhotos foram citados como alimentos. Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação sugere o consumo de insetos na alimentação humana, de animais e também na pecuária. O elevado teor de proteínas e minerais, bem como a proteção ao meio ambiente, estão entre os benefícios.
É importante destacar também que os hábitos alimentares são normalmente influenciados por circunstâncias pessoais, culturais e econômicas, porém, os insetos já são utilizados pelo homem como alimento em muitas partes do mundo. Por exemplo, no Oriente, vários povos se alimentam de gafanhotos e outros bichos da espécie; nativos africanos comem formigas, cupins, larvas de besouros e lagartas. No Brasil, assim como em outras nações ocidentais, o consumo de insetos é visto como uma prática primitiva, mas está presente em suas raízes desde o descobrimento.
Engana-se quem pensa que ser entomofagista é só consumir o inseto por inteiro. Alimentos com estes bichos processados são bem comuns. Segundo o biólogo e gastrólogo Casé Oliveira, no Brasil há três tipos de insetos registrados na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso em forma de componentes.
“Para as frutas brilhantes usam ceras oriundas deste tipo de animais. O corante 'carmim', presente em queijos, salsichas e iogurte de morango, também vem deles. Considero os insetos a proteína do passado e do futuro. E proteínas de qualidade, capazes de fornecer aminoácidos essenciais que o corpo, naturalmente, não produz. Além de ser fonte, também, de ferro M”, explicou Casé Oliveira, que também é presidente da Associação Brasileira dos Cuidadores de Insetos (Abrasci).
Iguarias curiosas
Embora nos países ocidentais não seja comum o consumo de insetos por completo, a gastronomia brasileira anda ousando na abordagem. Pratos quentes, frios, sobremesas e chocolates estão sendo reproduzidos por cozinheiros canarinhos.
O chef Felipe Schaedler, à frente dos restaurantes Banzeiro (Manaus e São Paulo), com sua experiência amazônica, admite que o público se sente atraído pela curiosidade e excentricidade do seu prato com a formiga saúva.
“Este tipo de formiga tem um gosto forte de capim-limão. Então, acrescentei uma base neutra e espuma de mandioquinha. Queria preservar o sabor e que o cliente entendesse que ele vinha do inseto”, comentou. O cozinheiro também acredita que, em um futuro breve, mais ingredientes baseados nessa classe de animais serão inseridos na gastronomia do Brasil.
Já para Casé, também conhecido como “Bugs Cook”, pesquisador e entusiasta do tema, além dos cursos, disciplinas e palestras que explicam a relevância dos insetos como um alimento de alto valor biológico, de baixo impacto ambiental e nutritivo, põe em prática diversas técnicas já possíveis com grilos, como farinhas, sorvetes e chocolates, além de outros tipos de besouros que incrementam e deixam as apresentações dos pratos, no mínimo, interessantes.