Internacional

Rússia acusa grupos ligados a Navalni de extremismo e ordena suspensão de atividades

Blogueiro e advogado, Navalni surgiu na cena pública nos protestos contra Putin em 2012

Manifestação a favor do opositor Russo Navalny - Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

A Justiça da Rússia ordenou nesta segunda-feira (26) a suspensão das atividades das organizações ligadas a Alexei Navalni, o principal nome da oposição ao presidente Vladimir Putin. O Judiciário russo é nominalmente independente, mas suas decisões frequentemente estão alinhadas aos interesses do Kremlin.
 
A medida judicial está vinculada a um processo em que os promotores pedem o banimento definitivo dos grupos, sob acusação de extremismo. Se condenadas, as organizações ficarão proibidas de participar das eleições, organizar protestos ou publicar qualquer conteúdo na internet.
 
A suspensão foi anunciada na primeira audiência do processo, feita a portas fechadas -sem o devido direito à defesa, segundo aliados de Navalni- em um tribunal de Moscou. A próxima está marcada para quinta-feira (29), segundo informações da agência AFP.
 
Na última sexta-feira (23), Navalni, 44, encerrou uma greve de fome de 24 dias alegando "grande progresso" em sua forma de protesto na colônia penal em Pokrov. Seu estado de saúde gerou preocupação internacional e ameaças de sanções à Rússia.
 
"Todos nós entendemos perfeitamente que não há extremismo em nosso trabalho", disse Leonid Volkov, um dos aliados de Navalni. "A acusação de extremismo está sendo usada puramente como um pretexto para repressão política."
 
No Twitter, Volkov publicou imagens do documento com a decisão judicial destacando trechos que mencionam como exemplos do suposto "extremismo" investigações realizadas pelos grupos ligados a Navalni, manifestações de apoio político ao opositor e campanhas eleitorais contra Putin.
 
Há dez dias, a promotoria russa moveu uma ação para descrever as organizações ligadas a Navalni como "extremistas", o que levaria os grupos ao banimento e poderia se traduzir em duras penas de prisão para colaboradores e seguidores do opositor.
 
Segundo as acusações, as entidades buscam "criar condições para a desestabilização da situação social e sociopolítica na Rússia" e "mudar os fundamentos da ordem constitucional".
O termo "extremismo" tem uma definição muito ampla na lei russa, e permite às autoridades lutar contra organizações de oposição, grupos racistas ou terroristas, bem como contra grupos religiosos como as Testemunhas de Jeová.
 
A Fundação Anticorrupção (FBK, na sigla em russo), criada por Navalni, é um dos principais alvos dos promotores. Segundo o diretor do grupo, Ivan Jdanov, as atividades do FBK e de outros escritórios regionais ligados ao opositor foram imediatamente suspensas nesta segunda.


Aliados disseram que o escritório de Navalni na capital russa também não poderia mais "trabalhar no antigo formato", alegando "perigo para funcionários e colaboradores", mas prometeram "continuar a lutar contra a corrupção em nível pessoal".
 
"Não será fácil, mas vamos vencer com certeza, porque somos muitos e somos fortes", disse o escritório por meio de seu canal no Telegram.
 
Uma investigação conduzida pelo FBK, que geralmente aponta casos de corrupção da elite política russa, acusa o presidente Putin de possuir um luxuoso palácio às margens do Mar Negro. O vídeo publicado em janeiro de 2020 teve mais de 11 milhões de visualizações no YouTube e forçou Putin a negar pessoalmente a acusação.
 
No início do mês, um tribunal russo condenou Pavel Zelenski, aliado de Navalni que trabalhava para o FBK, a dois anos de prisão pela publicação de dois tuítes nos quais criticava as autoridades do país. O conteúdo foi considerado extremista.
 
As sedes das organizações ligadas a Navalni e até as casas de seus colaboradores foram alvos frequentes de operações policiais ao longo dos últimos anos, o que a oposição denuncia como uma perseguição judicial com o objetivo de silenciá-la.
 
Blogueiro e advogado, Navalni surgiu na cena pública nos protestos contra Putin em 2012. No ano seguinte, candidatou-se a prefeito de Moscou e conquistou 27% dos votos. Mas foi em 2017 que ele apareceu para o mundo, ao comandar via internet a convocação de uma jornada de protestos que uniu milhares nas ruas da Rússia. Devido a acusações judiciais, foi barrado de concorrer contra Putin em 2018.
 
Passou então a uma outra tática: fomentar qualquer candidatura em nível regional contrária à Rússia Unida, o partido governista. Ele logrou sucessos simbólicos nos pleitos locais de 2019 e 2020, e sua volta à Rússia era vista como uma preparação para o embate das eleições parlamentares de setembro. Agora, com ele preso, há a expectativa de que sua esposa, Iulia Navalnaia, ganhe destaque na oposição a Putin.
 
Navalni foi envenenado em agosto de 2020 e acusou diretamente Putin pela tentativa de assassinato. Ele foi tratado em Berlim, onde os médicos afirmaram ter encontrado em seu corpo traços de Novitchok, famoso veneno utilizado pelos serviços secretos russos.
 
Depois, Navalni divulgou a gravação de um trote que deu em um dos agentes do FSB (Serviço Federal de Segurança, sucessor da KGB) apontados como autores do ataque -nele, o espião acredita falar com um superior e admite ter colocado veneno na cueca do ativista no quarto de um hotel. O Kremlin nega qualquer envolvimento, e Putin brincou que, se a Rússia quisesse matar Navalni, o teria feito.
 
O opositor foi preso em janeiro, ao voltar à Rússia depois de receber tratamento na Alemanha contra o envenenamento. O ativista é acusado formalmente de violar os termos de sua liberdade condicional ao sair do país, ainda que a saída tenha ocorrido sob uma justificativa médica –ele estava em coma.
 
Navalni teve uma sentença de prisão por fraude comutada em 2014, em uma ação que classifica como perseguição judicial. Embora nominalmente independente, o Judiciário russo é alinhado ao Kremlin.
 
A Justiça russa confirmou no mês passado a sentença do ativista anticorrupção. No total, ele foi condenado a três anos e meio de prisão, dos quais já cumpriu dez meses em regime domiciliar.
 
LINHA DO TEMPO DO CASO NAVALNI
 
2012 - Alexei Navalni, blogueiro e advogado, surge na cena pública em protestos contra o presidente russo, Vladimir Putin;
 
2013 - Candidata-se à Prefeitura de Moscou e conquista 27% dos votos; Serguei Sobianin foi eleito com 51,37% dos votos;
 
2017 - O opositor ganha notoriedade mundial ao comandar via internet a convocação de uma jornada de protestos que levou milhares às ruas da Rússia; comissão eleitoral do país impede Navalni de concorrer contra Putin na eleição do ano seguinte por condenação, em 2013, de desvio de recursos em uma província;
 
20.ago.20 - Navalni é internado em hospital da Sibéria por passar mal durante voo para Moscou e fica em coma; sua porta-voz diz que ele foi vítima de envenenamento, mas o chefe do centro médico diz que o diagnóstico é uma doença metabólica causada pelo baixo nível de açúcar no sangue;
 
22.ago.20 - Após pressão, médicos recuam, e o opositor é transferido para um hospital em Berlim, na Alemanha;
 
24.ago.20 - Médicos alemães responsáveis pelo tratamento de Navalni confirmam o envenenamento por uma substância que atua no sistema nervoso;
 
2.set.20 - Alemanha afirma que o líder opositor foi envenenado com Novitchok, grupo de agentes neurológicos desenvolvido pela União Soviética nos anos 1970 e 1980 e substância da mesma família do veneno identificado pelo Reino Unido, em 2018, no envenenamento do ex-espião russo Serguei Skripal; Kremlin nega envolvimento;
 
7.set.20 - Navalni sai do coma induzido, mas ainda depende da ajuda de um respirador artificial;


15.set.20 - Opositor publica primeira foto da recuperação em redes sociais, em que diz não precisar mais de aparelhos para respirar;
 
23.set.20 - Hospital dá alta para Navalni, que permanece na Alemanha;
 
17.dez.20 - Sob acusação, Putin diz, em tradicional entrevista coletiva anual, que se os serviços secretos da Rússia quisessem envenenar o líder opositor, "provavelmente teriam acabado com ele";
 
21.dez.20 - Navalni divulga a gravação de um trote que deu em um dos agentes do FSB (Serviço Federal de Segurança, sucessor da KGB) apontados como autores do ataque no qual o espião acredita falar com um superior e admite ter colocado veneno na cueca do ativista no quarto de um hotel;
 
17.jan.21 - Líder opositor deixa a Alemanha, volta para Rússia e é preso ao desembarcar no aeroporto de Moscou, pois sua saída prolongada do país violou sua liberdade condicional de uma sentença por fraude suspensa em 2014;
 
23.jan.21 - Milhares vão às ruas na Rússia contra a prisão de Navalni em atos em cerca de cem cidades que acabam com ao menos 2.500 detidos;
 
31.jan.21 - Mais 5.600 manifestantes pró-Navalni são detidos em novos protestos;
 
2.jan.21 - Justiça russa reativa sentença de 3,5 anos contra Navalni por violação da liberdade condicional; como já havia ficado 10 meses preso em casa após uma condenação inicial, ele cumprirá os dois anos e oito meses restantes numa colônia penal; audiência gera protestos no país e ao menos 1.200 são detidos, segundo ONG;
 
5.fev.21 - Rússia expulsa diplomatas da Alemanha, da Suécia e da Polônia, sob acusação de que eles teriam participado de protestos em janeiro contra a prisão do líder opositor
8.fev.21 Alemanha, Suécia e Polônia reagem e também expulsam diplomatas russos de seus países;
 
14.fev.21 - No Dia dos Namorados na Rússia, apoiadores de Navalni organizam atos de protesto à luz de velas;
 
20.fev.21 - Opositor sofre dupla derrota judicial após corte negar recurso contra sua prisão e o considerar culpado em caso de difamação contra um veterano da Segunda Guerra Mundial, aplicando multa de 850 mil rublos (R$ 61,8 mil) por calúnia e difamação;
 
24.fev.21 - Navalni deixa centro de detenção em Moscou para ser transferido para colônia penal a 200 km da capital russa; segundo a agência de notícias russa RIA, ele chegou ao local quatro dias depois, em 28.fev;
 
12.mar.21 - Líder opositor é transferido para outra colônia penal, sem conhecimento dos advogados;
 
25.mar.21 - Navalni acusa guardas da colônia penal a 100 km de Moscou de o privarem de sono durante a notie, prática que ele compara à tortura, e terem negado acesso a tratamento médico adequado;
 
31.mar.21 - O opositor inicia uma greve de fome por condições da prisão;
 
17.abr.21 - Médicos que o acompanham a distância disseram que ele poderia sofrer uma parada cardíaca a qualquer momento, devido à falta de nutrientes em seu corpo;
 
19.abr.21 - Navalni é transferido para unidade hospitalar;
 
23.abr.21 - Navalni encerra greve de fome, após 24 dias;
 
26.abr.21 - Justiça determina suspensão de atividades de organizações ligadas a Navalni.