Efeitos da pandemia

2020 foi o ano com mais mortes registradas em Pernambuco, apontam cartórios

Covas abertas para as vítimas da Covid-19 no Cemitério de Santo Amaro, no Recife - Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco

Nunca morreu tanta gente em Pernambuco quanto em 2020. É o que mostram os dados dos cartórios localizados no Estado e compilados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). No ano passado, com os dados impulsionados pela Covid-19, foram registrados 72.752 óbitos.

O aumento em comparação ao ano anterior foi de mais de 10,5 mil mortes. Em 2019, haviam sido notificadas 62.194. Em termos percentuais, entre os dois anos, a escalada de óbitos foi de 16,98% - índice acima da média, que gira em torno de 1,5% a 2%.

O excesso de mortes observado em 2020 é o maior de toda a série histórica, iniciada em 2003, de acordo com os dados disponíveis. Os dados englobam todos os tipos de mortes, sejam naturais ou violentas. 

Em 2015, o Estado contabilizou 52.763 mortes. No ano seguinte, em 2016, o total subiu para 58.988, uma oscilação de 11,8%. Em 2017, os cartórios registraram 59.295 mortes, aumento de 0,5% em relação a 2016. 

Já em 2018, Pernambuco teve 59.660 mortes - subida de 0,63% em comparação a 2017 . Em 2019, foram 62.194 óbitos, crescimento de 4,25%.

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Os dados de 2021, compilados até esta terça-feira (27), indicam um total de 24.428 mortes. 

O recorte do primeiro trimestre deste ano, que compreende janeiro, fevereiro e março, indica que esses meses somam o maior total de mortes em Pernambuco - 24.428 mortes -  do que esses mesmos períodos dos últimos sete anos no Estado

Os três primeiros meses de 2021 já contabilizaram 18.549 mortes. Em 2020, no mesmo período, foram notificados 15.662 óbitos - 18,43% menos que o registrado neste ano. 

Na sequência, aparece o primeiro trimestre de 2019 com 14.636 mortes, 7% menos que em 2020. Em 2018, foram 14.369 óbitos, uma leve oscilação de 1,85%.

O ano de 2017 registrou no primeiro trimestre 13.707 mortes (4,82% menos que em 2018). Já janeiro, fevereiro e março de 2016 totalizaram 16.563 mortes, 20,8% a mais do que o ano anterior - única oscilação acima do recorte 2021 x 2020 no período analisado. Por fim, 2015 registrou 14.323 mortes, 15,6% menos do que em 2016.

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O vice-presidente da Arpen-Brasil, Luís Carlos Vendramin Júnior, explica que é perceptível a relação entre o crescimento exponencial no número de mortes em Pernambuco, assim como no País, com a pandemia de Covid-19.

“Seguindo a linha de crescimento nacional, estamos chegando igual à média nacional, em que mais de 50% do número de todas as mortes são por Covid-19. A gente acaba se acostumando com os números da pandemia. Estamos tendo 4 mil mortes por Covid no dia [no Brasil]. Na última década, sempre tivemos um crescimento orgânico de 1,5% a 2% de um ano para o outro”, explica o representante da associação.

Segundo ele, o excesso de mortes - total de registros além da variação média - que aparece nos dados é justamente por causa do coronavírus. 

“O excesso de mortes que foi incrementado em cima da média histórica é exclusivamente de Covid-19. Quando comparam-se os nascimentos e óbitos de março (de 2021), já tem capitais que o número de óbitos ultrapassa o número de nascimentos, nunca antes aconteceu uma coisa dessa. Isso reflete uma diminuição populacional”, acrescenta Luís Carlos, ao citar os dados deste ano, em que só pela Covid-19 já morreu mais gente no Brasil do que em todo o ano de 2021 no País. 

Cemitério Parque das Flores, no Recife (Foto: Arthur Souza/Photo Press/Folhapress)

O pesquisador Rafael Moreira, do Instituto Aggeu Magalhães, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco (Fiocruz-PE), corrobora com a ideia do aumento de óbitos no Estado por causa dos efeitos da pandemia de Covid-19.

“Analisando os dados, realmente observamos, como era esperado, um significativo aumento no número de óbitos em Pernambuco, especialmente no mês de maio de 2020. Esse aumento se deve ao efeito da pandemia em Pernambuco, a exemplo dos demais estados do País, caracterizando a primeira onda no Estado”, explica o pesquisador, também docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O pesquisador afirma também que o aumento no número de mortes é muito forte, o que reforça a causa direta da pandemia e suas consequências, uma vez que não há razões para alterações demográficas no mesmo ritmo dos óbitos verificados no período.

“As variáveis dessa equação são muito mais humanas, relacionadas à gestão da saúde e às condições sociais herdadas e plenamente vivenciadas pelas populações vulneráveis, do que relacionadas diretamente ao vírus, o que explica o sucesso de alguns países e o fracasso de outros, incluindo o Brasil nesse último grupo de países”, defende o pesquisador.

Rafael ressalta que a chamada primeira onda da pandemia no Estado teve redução nos meses subsequentes, mas a doença segue com outras ondas e picos. 

“Ainda permanecemos em um mar revolto de ondas e picos da pandemia, ao sabor dos ventos da necropolítica de negacionismo científico em âmbito nacional, pouca participação federal na manutenção de valores de auxílios emergenciais suficientes para o isolamento social, fiscalização insuficiente para o respeito às medidas de prevenção e vacinação em ritmo bastante aquém do desejável”, conclui o pesquisador. 

Linha representa a evolução do número de óbitos ao longo dos meses analisados pelo pesquisador Rafael Moreira, desde 2003. A equação mostra que a cada mês houve um aumento médio de 6,3 óbitos, desde o início da série analisada. O pico maior é justamente maio de 2020. (Gráfico: Cortesia/Rafael Moreira)

Atraso
Os números parciais, uma vez que há atrasos na notificação que chegam a até 60 dias, mostram que, apenas em março de 2021, foram notificadas 7.185 mortes. Março de 2020 teve 5.585 óbitos e o mesmo mês de 2019, 4.987.

Luís Carlos Vendramin Júnior ainda cita o impacto em outros dados estatísticos e demográficos ao longo dos próximos anos potencializados pelo coronavírus. “Da mesma forma que você tem o registro de óbitos, tem o de nascimentos. Não dá para afirmar que nenhuma família ou indivíduo tomou decisão de adiar o seu filho. Acabamos de fazer um ano do início da pandemia, uma gestação tem nove meses. O nascimento que a pessoa adiou não vai impactar os números agora”, completa.

Outro exemplo citado por ele é o da expectativa de vida, índice que mostra quanto uma pessoa que nasce em determinada época deve viver, com base na média geral da população. 

Apesar de a plataforma ser uma fonte fidedigna dos óbitos registrados no País, os prazos legais podem fazer com que os números sejam ainda maiores. 

A Lei Federal 6.015/73 prevê um prazo para registro de até 24 horas do falecimento, podendo ser expandido para até 15 dias em alguns casos. A pandemia de coronavírus fez alguns estados abrirem a possibilidade para um prazo ainda maior, de até 60 dias em alguns casos.

Causas respiratórias
O Portal da Transparência da Arpen-Brasil disponibiliza dados dos óbitos por causas respiratórias. Nesse escopo, 2020 registrou em Pernambuco um total de 34.431 mortes - sendo 7.794 por Covid-19, 4.779 por Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), 11.284 por septicemia, 5.753 por pneumonia, 4.165 por insuficiência respiratória e 654 por causas respiratórias não determinadas.

O total de mortes por causas respiratórias em 2019 foi de 26.956 - ou seja, 27,8% menos que em 2020, primeiro ano da Covid-19. Naquele ano, foram 13.543 mortes por septicemia, 8.095 por pneumonia, 4.925 por insuficiência respiratória, 343 por causas respiratórias não determinadas e 50 por Srag.