EUA

Reabertura de Nova York esbarra em incertezas e bolsões de Covid

Além de ser a cidade mais densa do país, Nova York abriga o maior distrito comercial americano e é especialmente vulnerável às restrições

Coronavírus em Nova York - ANGELA WEISS / AFP

"Quero acordar na cidade que nunca dorme", cantou Frank Sinatra em "New York, New York" um dos maiores sucessos que ele gravou. Mas o slogan que definiu Nova York e resistiu à tragédia do 11 de Setembro acabou por esbarrar no sono da pandemia.
 
Como toda grande cidade que entrou em lockdown, a partir de março de 2020, Nova York esperava uma pausa mais breve. E vieram novas ondas de infecção por Covid-19 que provocaram aumento agudo de casos até o final do ano e já mataram mais de 32 mil.
 
Nesta quinta (29), o prefeito de Nova York anunciou que a cidade vai voltar "100% a partir de 1º de julho". Bill de Blasio prometeu que não haverá mais restrições para funcionamento de estabelecimentos comerciais e eventos no verão do Hemisfério Norte.
 
"Vai ser o verão de Nova York," anunciou, triunfante, o prefeito que deixa o cargo, depois do segundo mandato, em 2022. O anúncio eufórico do prefeito foi temperado por preocupação com bolsões de infecções em Nova York –com residentes que resistem a se vacinar e podem chegar a mais de 35% da população de alguns bairros.
 
Na quarta-feira passada (21), a agência de turismo local NYC & Company apresentou a centenas de jornalistas o plano Nova York Desperta, uma campanha de marketing sem precedentes, avaliada em US$ 30 milhões (R$ 161 milhões), com várias frentes, cobrindo a Broadway, museus, atrações turísticas, parques, novos hotéis e restaurantes, para tentar atrair de volta parte dos 66,6 milhões que visitaram a cidade em 2019.
 
Todo o otimismo transmitido por De Blasio e por outros representantes de setores econômicos na entrevista coletiva não é vacina contra a incerteza. A reabertura da Broadway, por exemplo, foi anunciada para setembro, "talvez antes", mas ainda não foi marcada uma data para o começo da venda de ingressos.
 
Fred Wanke, CEO das Organizações Schubert, o maior conglomerado de teatros da Broadway, disse, na semana passada, que é economicamente inviável trazer de volta peças e musicais com limites de ocupação na plateia. A Broadway pré-coronavírus contribuía com US$ 1,75 bilhão (cerca de R$ 9,4 bilhões) para a economia local.
 
Além de ser a cidade mais densa do país, Nova York abriga o maior distrito comercial americano e é especialmente vulnerável às restrições de distanciamento de uma pandemia cuja conclusão continua a ser adiada. E uma tendência fiscal mais recente agrava o cenário econômico: hoje, 50% do dinheiro que entra nos cofres de Nova York vem de impostos sobre imóveis.
 
Percorrer a afluente avenida Madison, em Manhattan, é contar fachada após fachada de lojas vazias. A taxa de desocupação de lojas no momento é de 40%, e 17% dos escritórios estão vazios, índice mais alto do que no período após o crash financeiro de 2008.
 
O poderoso lobby imobiliário nova-iorquino acena com a possibilidade de converter perto de 100 mil metros quadrados de escritórios em residências –o metro quadrado residencial é um dos mais caros do país. O que ajuda a explicar o déficit de mais de 300 mil domicílios –a diferença entre os que chegaram e partiram em 2020– na cidade de 8,7 milhões de habitantes.
 
"É apenas uma ideia," reage, cética, Kathryn Wylde, há 20 anos CEO da Partnership for New York, uma influente fundação criada por David Rockefeller, em 1979, que reúne líderes empresariais e é uma presença constante na interlocução do governo municipal com as corporações.
 
Wylde acredita que o modelo de fluxo de transportes dominante em Nova York durante a maior parte do século 20 e até 2019 –subúrbios alimentando Manhattan de trabalhadores– vai mudar.
"Vai haver uma tendência de locais de trabalho serem espalhados por outros bairros da cidade, fora da ilha de Manhattan," prevê Wylde. Essa mudança permitiria deslocamentos diários mais curtos.
 
O trabalho remoto, que veio para ficar, deve transformar o futuro em Nova York mais do que em qualquer outra região urbana do país. A reportagem conversou com o diretor de uma empresa de mídia, localizada no centro de Manhattan, que tem menos de 50 funcionários. A firma sofreu perdas expressivas em 2020 e tentou renegociar com o proprietário o contrato de leasing de US$ 400 mil anuais (cerca de R$ 2,1 milhões), que vai até 2027.
 
Ouviu um sonoro "não". Diante do prolongamento da pandemia, o dono do imóvel aceitou usar o depósito inicial de três meses de aluguel para abater da despesa mensal por um ano, mas a firma vai ter que depositar o dobro do montante, ao final do acordo.


Questionada se vê com alarme as notícias sobre a possível debandada na indústria financeira, com hedge funders vendendo suas coberturas e transferindo escritórios para a Flórida, Kathryn Wylde explica que não são as mansões mais baratas no outro estado que atraem os financistas.
"É o clima fiscal," afirma ela, lembrando que, com mudanças aprovadas no Legislativo do estado e impostos municipais, os milionários nova-iorquinos vão receber a maior mordida do Leão em todo o país –de até 52%.
 
Embora empregue menos de 10% dos nova-iorquinos, o setor financeiro gera na cidade quase 20% da receita fiscal.
 
Esta repórter atravessou mais de uma recessão em Nova York. Na crise que marcou o começo dos anos 1990, por exemplo, conseguiu reduzir o aluguel em 40% do que pagava cinco anos antes. A pandemia afugentou dezenas de milhares de profissionais nova-iorquinos sem apetite para trabalhar em apartamentos apertados e caros, especialmente os que têm filhos no intermitente ensino remoto.
 
A Nova York do cartão-postal do século 20 não deve voltar, como nenhuma outra cidade vai emergir inalterada da pandemia. Mas, se a história de outras crises se repetir, os espaços vazios e mais acessíveis podem atrair nova geração de desbravadores urbanos para regenerar a metrópole mais diversa do continente.