Novo olhar: conheça profissionais que viram suas funções ganharem destaque durante a pandemia
Antes da chegada da pandemia de Covid-19, muitos profissionais não tinham o devido reconhecimento
Neste sábado (1º) é comemorado o Dia do Trabalhador. Durante a pandemia de Covid-19, que já matou mais de 400 mil pessoas no Brasil, alguns profissionais passaram a ter um melhor reconhecimento de suas profissões. A visibilidade é um fator do qual muitos trabalhadores detalham que faltara no dia a dia de suas rotinas.
“Já ouvi de muitos companheiros de trabalho que tinham vergonha em dizer que é coveiro. Nunca tive essa vergonha e quando me perguntam, eu digo com orgulho. Quero ver o povo realmente reconhecer a nossa função”, diz o operador de campo Danilo Coutinho, 31, que já atua na área há 11 anos.
Assim como Coutinho, antes da chegada da pandemia de Covid-19, muitos profissionais não tinham o devido reconhecimento. A exemplo do que aconteceu com os caminhoneiros, que, antes da greve, a população em geral não parava para enxergar a importância da função.
Com 400 mil mortes acumuladas desde o início da pandemia, algumas atividades, mais do que nunca, não podem parar no Brasil. Alguns profissionais, então, passaram a ter um maior reconhecimento de suas respectivas funções.
“Muita gente já critica por ser coveiro. Mas agora posso olhar e ver que o povo tem reconhecimento da função da gente. Alguém tem que fazer esse serviço e nesse momento, creio que os familiares veem a importância que temos”, acrescenta Coutinho.
A Covid-19 mudou completamente todos os protocolos. No cemitério Morada da Paz, por exemplo, onde Danilo Coutinho trabalha, houve um aumento de 25% no volume de atendimentos, seja sepultamento ou cremação.
Ainda assim, a rotina de sepultar uma pessoa com Covid nunca se torna comum para Coutinho. “A cada plantão, é um sentimento diferente. Através da família, a gente se comove e não tem como fazer vista grossa ou fingir que não tem nada. Porque essa realidade da pandemia é a que estamos vivendo atualmente”, conta.
Coutinho atua na “última” etapa do fechamento do ciclo da vida. Mas, antes dessa tarefa, o cerimonialista é a figura presente entre as famílias para dar o suporte necessário e consolar os enlutados.
Marleide Freitas, 46, está na área há pouco mais de um ano. Ela se encantou pela profissão após ver o trabalho de um profissional ao consolar sua família diante de uma perda. A admiração desembocou no trabalho.
“A situação que estamos vivendo agora é muito assustadora, porque estamos vendo a ordem se invertendo. Por conta da pandemia, os filhos estão sendo enterrados pelos pais”, explica Marleide, que observa, ainda, que há uma mudança das pessoas no olhar.
“Já tive situações em sepultar vítimas de Covid-19. Estávamos apenas a filha e eu. Assim como um casal de netos sepultado o avô. Nesse momento fomos o porto seguro deles, então já passaram a nos olhar de outra forma”, detalha a cerimonialista.
As proibições relacionadas aos velórios, segundo Marleide, mudaram drasticamente a forma da despedida. “Nos cemitérios particulares, a gente ainda consegue fazer uma oração, consolar os poucos familiares, mas tudo com o distanciamento social correto", detalha, também expondo o medo que tem de perder algum ente querido para a doença.
O medo, aliás, esse sentimento tão latente em qualquer pessoa que tenha dimensão da crise sanitária, precisa ser ressignficado pelo agente funerário Thiago Ferreira, 38, que já atua na função há 20 anos.
O trabalho de Ferreira é buscar os corpos em residências, hospitais, Instituto de Medicina Legal (IML) e no Serviço de Verificação de Óbitos (SVO). “Costumo dizer que somos também psicólogos, além de agentes. É que a parte mais difícil é ter que falar aos familiares que não podem velar os entes queridos quando o óbito é por Covid-19. É muito triste dar a notícia que não vão poder dar o último adeus”, explica.
Ainda de acordo com o agente, a sociedade, agora, enxerga a profissão de uma forma diferente dos tempos pré-pandemia. “As pessoas, hoje, já nos agradecem, existe uma gratidão com o nosso trabalho. Era isso que faltava à nossa classe. As pessoas acham que como estamos lidando com desconhecidos é mais fácil. Mas não. Você se coloca no lugar deles e pensa que poderia ser um familiar seu”, conta.
O outro lado da pandemia
Por outro lado, em algumas profissões, o reconhecimento interno é grande, mas do lado externo (sociedade), falta um pouco de visibilidade. Condutor do Samu há 14 anos, Cristiano Anselmo da Silva fez parte da equipe que retirou um casal com confirmação de Covid-19, vindo da Itália a bordo de um navio que atracou no Recife. Foram os primeiros casos registrados da doença em Pernambuco.
“Depois da pandemia, o Samu se tornou uma ferramenta ainda mais importante para questões de remoção e atendimento. Com isso, a população passou a nos enxergar de forma melhor, as pessoas ligam para ouvidoria para agradecer os atendimentos. Hoje, como condutor, me sinto mais valorizado a respeito de como a população nos consideram”, ressalta Silva.
Além da visibilidade, a responsabilidade com a função é muito grande. De acordo com Silva, as ocorrências geralmente têm uma média de 15 minutos de tempo-resposta. “A gente precisa se desdobrar e dar o máximo, mas sem colocar toda a equipe em risco. E ainda tem gente que motorista é qualquer um, mas existe uma diferença entre conduzir e dirigir. E hoje, as pessoas entendem isso”, afirma.
E há profissões que só de falar o nome tem pessoas que nem imaginam sobre o que se trata. É como acontece com a tanatopraxista Sandra Pereira, 44. O profissional desta área é responsável pela higienização e preparação dos corpos.
Sandra, que já atua na área há 10 anos, ressalta que, em alguns momentos, ao chegar a alguns locais onde perguntam sua profissão, não há nem mesmo o cadastro da função e precisa colocar como agente funerário. Além disso, em seu trabalho, houve uma mudança, uma vez que os óbitos por Covid-19 não podem ter mais a questão da vestimenta e maquiagem.
“É muito difícil, porque a gente se põe no lugar da família. É muito ruim não poder fazer o velório, ter a última despedida, de poder vestir o ente querido com algo que gostava. Isso tudo por conta da Covid. É muito sofrido”, ressalta.
Número de enterros por Covid-19 cresce 21% em 1 ano nos cemitérios públicos do Recife
Levantamento feito pela reportagem do Portal Folha de Pernambuco constatou que apenas nos cinco Cemitérios públicos do Recife (Santo Amaro, Parque das Flores, Tejipió, Casa Amarela e Várzea), foram 12.335 sepultamentos total em 2019.
Já no ano de 2020 - início da pandemia -, a quantidade de enterros saltou para 14.948, o que representa um aumento de 21,18% no número de sepultamentos. Os dados foram divulgados pela Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb).
Com os casos de Covid, houve uma mudança no cenário dos sepultamentos. Em 2019, foram 12.335 enterros gerais. Já em 2020, 10.904 e 4.044 sepultamentos de casos Srag-Covid.
Até o último dia 27 de abril, 1.464 sepultamentos ocorreram em cemitérios do Recife, que permitem enterros por casos de Srag-Covid, segundo informou a Emlurb.
Vale salientar que os enterros de Srag-Covid, entretanto, são realizados apenas em Santo Amaro, Tejipió e Parque das Flores, excetuadas as situações em que a família possua jazigo próprio.
Pelo segundo mês consecutivo, Recife registra mais óbitos do que nascimentos. Com cerca de 1,5 milhão de habitantes, a capital do Estado de Pernambuco tem até esta última sexta-feira (30) 2022 mortes e 1521 nascimentos feitos em Cartórios de Registro Civil no mês abril. O número repete o fenômeno observado no último mês, que teve 2209 óbitos e 2200 nascimentos. Março foi o primeiro mês onde as mortes superaram os nascidos vivos.