Índia se torna 3º país com mais mortos por Covid em meio a caos sanitário e derrota política de Modi
Índia confirmou 3.417 óbitos neste domingo (2) e chegou à marca de 218.959 mortes
Depois de se tornar o primeiro país a registrar mais de 400 mil casos de Covid-19 em apenas um dia, a Índia ultrapassou o México e se tornou, nesta segunda-feira (3), o terceiro país com o maior número de mortos pelo coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil.
De acordo com dados compilados pela Universidade Johns Hopkins e pelo site Our World in Data, a Índia confirmou 3.417 óbitos neste domingo (2) e chegou à marca de 218.959 mortes –número oficial muito menor que o real, visto que o país de 1,4 bilhão de habitantes enfrenta não apenas um colapso no sistema de saúde mas também a subnotificação de casos e mortes.
No ranking dos países mais afetados pela pandemia, os EUA seguem na primeira posição, com 577.045 óbitos. O Brasil, com mais de 407 mil mortes, ocupa o segundo lugar, mas, dos três países, é o que tem a maior média móvel de mortes no cálculo proporcional à população. São 11,32 a cada milhão de habitantes, contra 2,47 da Índia e 2,06 dos EUA.
Para membros do Insacog, consórcio de cientistas criado pelo governo da Índia no final de dezembro para atuar como órgão consultivo, as autoridades ignoraram os conselhos da ciência, e o governo central, particularmente, não se preocupou em impor restrições para impedir a disseminação do coronavírus.
O Insacog reúne dez laboratórios indianos com capacidade para identificar e estudar variantes de vírus. Foram cientistas desse consórcio, por exemplo, que identificaram a cepa B.1.617, hoje dominante entre os casos de coronavírus na Índia. Ainda no início de março, o consórcio compartilhou suas descobertas com o Ministério da Saúde local e fez alertas de que as novas infecções poderiam disparar rapidamente em várias partes do país, segundo o que contaram seus membros à agência de notícias Reuters.
O ministério tornou as descobertas públicas em 24 de março, mas, em comunicado à mídia, disse que as variantes potencialmente mais perigosas exigiam apenas a adoção de medidas que já estavam em andamento, como o aumento de testes e a quarentena para os infectados. Nada se falou sobre a imposição de restrições mais duras para conter a propagação.
"A política deve ser baseada em evidências, e não o contrário", disse Shahid Jameel, presidente do Insacog. "Estou preocupado que a ciência não tenha sido levada em consideração para conduzir as políticas. Mas sei onde minha jurisdição termina. Como cientistas, fornecemos evidências; a formulação de políticas é tarefa do governo."
Embora não seja possível afirmar que o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, tenha tido acesso direto aos alertas, é razoável esperar que, como chefe de Estado, ele tenha tomado conhecimento sobre o potencial danoso da terceira onda de coronavírus no país, maior e mais letal que as duas primeiras.
Modi, porém, afirmava há dois meses que a Covid estava prestes a ser vencida e que a população indiana poderia começar a voltar à vida normal. Ele mesmo protagonizou imensos comícios para alavancar seu partido e permitiu a festividade de Kumbh Mela, que atraiu milhões de hindus às águas do rio Ganges.
Ao discursar à nação pela TV no mês passado, Modi aconselhou a população a manter uma distância de dois metros e usar máscara, logo depois de participar de megaeventos políticos em Bengala Ocidental, onde saudou centenas de milhares de pessoas sem máscaras.
Mais tarde, em outro pronunciamento, o premiê se posicionou contra um novo fechamento da Índia como estratégia de contenção da pandemia. "Temos que salvar o país dos lockdowns. Peço aos estados que usem os lockdowns como última opção", disse Modi, em referência à autonomia que lideranças estaduais têm para conduzir a resposta à pandemia em seus territórios.
Pelo menos 11 estados e regiões ordenaram restrições ao movimento para conter as infecções, mas Modi resiste a anunciar um confinamento nacional devido ao impacto econômico que a medida causaria.
A tragédia vivida pelos indianos tem sido marcada pela falta de oxigênio nos escassos leitos de hospitais, pela cremação de mortos ao livre devido à falta de espaços mais apropriados e pela postura de países que fecharam as portas para os indianos por medo da propagação de variantes identificadas no país.
O cenário, no entanto, custou a Modi um revés político. Seu partido, o BJP, conquistou apenas 77 das 292 cadeiras parlamentares em Bengala Ocidental, onde o premiê concentrou seus comícios. A derrota no estado de 97 milhões de habitantes representa um obstáculo às ambições eleitorais de Modi e, segundo analistas, é o sinal de que seu domínio populista pode ser contido.
A confiança na forma como o governo está lidando com a crise despencou desde fevereiro, quando a crise sanitária voltou a se agravar, de acordo com uma pesquisa do YouGov. Em abril do ano passado, 89% dos entrevistados consideravam que o governo lidou "muito bem" ou "razoavelmente bem" com a pandemia de coronavírus. Um ano depois, os dados mais recentes mostram que esse número caiu para 59%.
"As pessoas provavelmente não esquecerão tão rapidamente da escassez de leitos hospitalares, de oxigênio e de vacinas", avalia o comentarista político Neerja Chowdhury. "Também é improvável que se esqueçam que a liderança central do BJP fez da vitória de Bengala sua batalha de vida ou morte, enquanto existe luta real entre vida e morte no país."
No estado de Assam, o BJP conseguiu se manter no poder. Em Tamil Nadu, o vencedor foi o DMK, principal partido de oposição regional a Modi. Em Kerala, o LDF, de esquerda, conquistou maioria, enquanto o BJP de Modi não garantiu nenhum assento. Em Puducherry, a NDA, aliança nacional liderada pelo BJP aparece à frente em todas as principais pesquisas de boca de urna.