Colômbia vê críticas internacionais crescerem em meio a mortes e desaparecidos em protestos
A tensão no país gerou manifestações da ONU, da União Europeia, dos EUA e de ONGs de direitos humanos, que denunciaram o uso desproporcional de força pela polícia
Em meio aos atos que já deixaram 19 mortos na Colômbia, a Defensoria Pública do país divulgou nesta terça (4) uma lista com o nome de 87 pessoas cujo paradeiro é desconhecido. A relação, que inclui dois menores de idade -Brayan Londoño e Leonard López-, foi enviada à Comissão de Busca de Pessoas Desaparecidas e ao Ministério da Justiça e abarca o período desde o início dos protestos, em 28 de abril.
A tensão na Colômbia também gerou manifestações da ONU, da União Europeia, dos EUA e de ONGs de direitos humanos, que denunciaram, nesta terça, o uso desproporcional de força pela polícia para controlar as manifestações. Além das quase duas dezenas de mortos, 846 pessoas ficaram feridas, entre civis e policiais, segundo balanço da Defensoria Pública e do Ministério da Defesa.
Nos atos que já ocorrem há sete dias, a principal demanda é a derrubada de uma reforma tributária proposta pelo presidente Iván Duque. Diante da força dos protestos, o líder colombiano recuou e pediu ao Congresso que tirasse o projeto da pauta, prometendo enviar no futuro uma nova versão do texto sem os pontos que desagradam a população. Ainda assim, as manifestações não arrefeceram.
De acordo com Duque, o projeto reformulado excluirá tanto o aumento do imposto sobre bens e serviços quanto a ampliação da base de contribuintes do imposto de renda, os pontos mais controversos da lei. A reforma é necessária para "dar estabilidade fiscal ao país, proteger os programas sociais dos mais vulneráveis e gerar condições de crescimento depois dos efeitos provocados pela pandemia", defendeu o presidente, que tem uma popularidade baixa, na casa dos 33%.
Marta Hurtado, porta-voz do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, demonstrou preocupação frente à situação na cidade de Cali, onde, na noite de segunda, a polícia abriu fogo contra manifestantes, matando cinco e ferindo 33 pessoas.
As acusações contrastam com as declarações do ministro da Defesa, Diego Molano, que, durante entrevista coletiva em Bogotá, negou abusos ou excessos por parte da polícia e disse que as ações das forças de segurança respeitam os direitos humanos.
"Nossa força pública tem a missão de proteger os cidadãos que se movem nas marchas sociais, mas elas têm de ser implacáveis com aqueles que usam vandalismo e ações de terrorismo para destruir cidades e afetar a estabilidade em algumas regiões", afirmou Molano. Segundo ele, os supostos vândalos teriam mirado principalmente policiais e pontos de pedágio, e mais de cem ônibus teriam sido incendiados.
Ainda segundo o ministro da Defesa, houve ao todo 218 atos pelo país, e em 15 deles foram registrados ações de vandalismo com intervenção da Esmad, sigla para Esquadrão Móvil Antidistúrbios, um temido destacamento apontado por ONGs como responsável pelos abusos na repressão aos protestos.
Em um caso que viralizou nas redes sociais, um policial reagiu com um tiro pelas costas a um chute desferido por um manifestante. A vítima, Marcelo Agredo, 17, morreu na hora. Também causou revolta a morte de um idoso, Jesús Flórez, de 86 anos, que não participava dos protestos, mas foi asfixiado pelas bombas de gás lançadas pelos agentes. Segundo o ministro da Defesa, estão sendo investigadas 23 denúncias de abusos durante os protestos que, ao todo, reuniram 71 mil pessoas e ocorreram em grandes cidades do país, como Bogotá, Medellín, Barranquilla e Cali.
Duque, além de prometer uma nova proposta de reforma, afastou na segunda-feira o ministro das Finanças, Alberto Carrasquilla, que havia redigido o projeto e que será substituído pelo economista José Manuel Restrepo, atual titular da pasta do Comércio. O presidente, porém, vê a demanda por novas demissões ganhar força nas ruas. Manifestantes também querem a saída de Molano e dos generais Luis Fernando Navarro, comandante das Forças Armadas, e Jorge Luis Vargas, diretor da polícia.
Na noite de segunda, quando começavam a faltar alimentos e produtos essenciais, moradores de Cali voltaram a protestar para pedir o fim dos bloqueios. Na tarde de terça, alguns deles foram retirados, e o aeroporto foi reaberto. Os atos devem continuar nos próximos dias, agora também contra a repressão.
O ex-presidente Álvaro Uribe, padrinho político de Duque, publicou no fim de semana uma mensagem nas redes sociais na qual afirmava que era "um direito dos soldados e dos policiais usar armas para se defender". O post, que causou críticas ferozes tanto da oposição quanto de manifestantes, foi tirado do ar pela plataforma de internet sob a justificativa de que glorificava a violência.
As manifestações ocorrem em meio a um grave momento da pandemia de coronavírus na Colômbia, em que epidemiologistas afirmam que o país já passa por uma terceira onda. Ao todo, são mais de 2,9 milhões de casos e 75.164 mortes. A situação econômica também é ruim. O PIB colombiano encolheu 6,8% no ano passado, o desemprego subiu para 16,8% em março e a pobreza foi de 36% para 43%.