Política

Bolsonaro repete ameaça de decreto e faz novo ataque à CPI da Covid

A declaração do presidente sobre o decreto é mais uma provocação ao STF

Jair Bolsonaro - Carolina Antunes/Presidência da República

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a atacar a CPI da Covid nesta sexta-feira (7) e a ameaçar a edição de um decreto que impediria prefeitos e governadores de promover medidas mais duras de isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.

A declaração do presidente sobre o decreto é mais uma provocação ao STF (Supremo Tribunal Federal), que já deu aval para que estados e municípios tomem medidas nesse sentido no combate à Covid.

Pela manhã, nas redes sociais, respondeu a senadores da CPI que criticam medicamentos sem eficácia comprovada que "não encham o saco". Segundo o presidente, o médico e o paciente são livres para escolher como querem se tratar.
O governo Bolsonaro está acuado pela CPI que investiga as ações e omissões do governo federal na pandemia e é controlada por parlamentares críticos ao presidente.
 


Mais tarde, em Rondônia, em discurso durante inauguração da Ponte do Abunã (a 220 km de Porto Velho), Bolsonaro afirmou que já tem pronto o decreto para proibir prefeitos e governadores de adotarem medidas restritivas de combate ao novo coronavírus, como toque de recolher e fechamento do comércio.

"Tenho falado que, se baixar um decreto, que já está pronto, todos cumprirão. Por que todos cumprirão? Porque esse decreto nada mais é do que uma cópia dos incisos do artigo 5º da Constituição, que todos nós juramos defendê-la", disse o presidente, afirmando que o direito de ir e vir é sagrado.

O presidente foi ovacionado por alguns milhares simpatizantes que se aglomeraram para acompanhar a inauguração. A ponte sobre o rio Madeira une Acre e Rondônia, estados que deram o maior e o terceiro maior percentual de votos a Bolsonaro no segundo turno de 2018, respectivamente.

Bolsonaro disse que não se justifica, daqui para frente, adotar medidas restritivas em qualquer ponto do país. E defendeu que a liberdade deve vir em primeiro lugar: "Todos nós preferimos morrer lutando do que perecer em casa".

Também voltou a repetir que não usará as Forças Armadas para fazer cumprir medidas restritivas e que não vai admitir quem queira "jogar fora das quatro linhas da Constituição".

"Pode ter certeza: se cada um de nós militares aqui presentes juramos um dia dar a vida pela nossa pátria, vocês que são grande Exército brasileiro farão tudo, até a própria vida, para garantir a sua liberdade."

Dirigindo-se ao público, Bolsonaro repetiu a expressão "meu Exército" ao afirmar ser contrário a um "lockdown": "O meu Exército jamais irá as ruas para mantê-los dentro de casa".

Acompanhado de ministros e de parlamentares bolsonaristas, além dos governadores de Rondônia e do Acre, o presidente falou da eleição de 2022. "Pode melhorar, tudo pode melhorar. [...] Se Deus quiser termos forças para continuar dirigindo esta nação com o apoio de todos vocês".

Apesar de ser um dos governadores mais alinhados com Bolsonaro, o coronel da PM Marcos Rocha (PSL-RO) foi duramente vaiado durante o discurso, inclusive durante um longa citação da Bíblia.

As duras vaias lembram o que ocorreu durante a visita de Bolsonaro ao Amazonas, quando seus seguidores vaiaram e deram as costas para o governador Wilson Lima (PSC), que também é próximo do Planalto.

Menos próximo de Bolsonaro do que o colega de Rondônia, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), foi aplaudido durante o discurso.

Também integravam a comitiva o ex-piloto de F-1 Nelson Piquet e o empresário Luciano Hang, da Havan.
Eles interagiram com a multidão ao lado de Bolsonaro, mas nenhum deles usava máscara.

Outro que interagiu com o público sem máscara foi o ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos.
Em 27 de abril, sem saber que sua fala estava sendo transmitida, ele disse que tomou escondido a vacina contra a Covid-19 e que Bolsonaro está com a vida em risco.

Na quarta-feira (5), sob pressão de depoimentos na CPI da Covid, Bolsonaro já havia disparado ameaças ao STF e realizou novos ataques à China, ao sugerir que o coronavírus poderia ter sido criado em laboratório pelos asiáticos.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que, apesar da insistência nesses pontos de retórica, não houve alteração no cenário das leis e da pandemia que permitam a Bolsonaro dar "canetadas" sem aprovação do Congresso ou barrar a autonomia de governadores e prefeitos na condução do combate à Covid -que inclusive já foi reconhecida pelo Supremo.

No entanto, eles veem com preocupação o uso frequente desses termos como se fossem equivalentes ao toque de recolher.
Na avaliação de alguns deles, ao banalizar as figuras do estado de sítio e do estado de defesa, apontando que os governadores estariam lançando mão delas, Bolsonaro estaria buscando preparar terreno para legitimar a tomada desse tipo de medida no futuro.

Na manhã desta sexta-feira, Bolsonaro destinou a postagem sobre o tratamento precoce aos que chamou de "inquisidores da CPI". Ele disse que existem diferentes grupos. Alguns médicos receitam a cloroquina, que seria o primeiro grupo, outros ivermectina, o segundo grupo, segundo o presidente.

"Portanto, você é livre para escolher, com o seu médico, qual a melhor maneira de se tratar. Escolha e, por favor, não encha o saco de quem optou por uma linha diferente da sua, tá ok?"

A cloroquina e a ivermectina são medicamentos que não têm eficácia comprovada contra a Covid-19. O assunto tem sido um dos principais temas tratados na CPI da Covid.

O presidente já tinha voltado a defender na noite desta quinta-feira (6) o uso de hidroxicloroquina para pacientes de Covid, chamou os que se opõem à prescrição do medicamento de "canalhas" e afirmou que a CPI do Senado é uma "xaropada".
"Eu nunca vi ninguém morrer por ter usado hidroxicloroquina, que é largamente usada na região amazônica para combater malária e lúpus", declarou Bolsonaro. "Canalha é aquele que critica cloroquina e ivermectina e não apresenta alternativa", acrescentou, em outro trecho da live.

A insistência de Bolsonaro na defesa de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid é um dos alvos de investigação da CPI. Os trabalhos da CPI são comandados pelos senadores Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), todos críticos ao presidente.

A CPI ouviu até o momento dois ex-ministros da Saúde -Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich- e o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga.

Mandetta apontou à CPI que Bolsonaro contrariou orientações do Ministério da Saúde baseadas na ciência para o combate à pandemia, enquanto que Teich afirmou ter deixado a Esplanada por falta de autonomia.

Queiroga, por sua vez, evitou responder perguntas sobre a atuação de Bolsonaro na crise sanitária, o que irritou senadores.Também estava prevista nesta semana a oitiva do ex-ministro Eduardo Pazuello, principal alvo da CPI em seu estágio inicial. Mas o depoimento foi adiado após Pazuello afirmar que teve contato com auxiliares contaminados pela Covid.