Jacarezinho

Polícia deve ter protocolo claro, diz especialista em segurança pública

A professora do Departamento de Segurança Pública da UFF, Jacqueline de Oliveira Muniz questiona o argumento de que falta inteligência e preparo nessas ações

Operação foi a mais letal da história do Rio de Janeiro - Mauro Pimentel / AFP

A falta de protocolos claros e públicos da Polícia Civil do Rio de Janeiro impede a prestação de contas de suas ações à sociedade e no limite cria um monstro difícil de controlar. Essa é a avaliação da professora do Departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) Jacqueline de Oliveira Muniz, para quem a ação com 28 mortos no Jacarezinho, no Rio, escancara o problema da corporação.

Ela questiona o argumento de que falta inteligência e preparo nessas ações e diz que os agentes estão preparados para agir justamente dessa forma.

"Atrás de um policial atirando há níveis decisórios, fins, meios e modos. O fim da ação policial é definida politicamente. Você já viu em algum lugar a faca definir a intensidade e a profundidade de seu corte? Em que democracia o meio de força define a intensidade e a profundidade de sua coerção?", questiona Muniz, que pesquisa o tema e atua na gestão de segurança pública nos governos federal e do Rio há mais de 20 anos.

Ela resume o argumento na ideia de que "a polícia é a política em armas" e que os agentes fazem o que comandantes, estruturas do judiciário, governador e eleitores os autorizam a fazer.

Para a antropóloga, a polícia precisa publicar e publicizar os parâmetros de uso da força e protocolos de ação, o que a Polícia Civil do Rio não faz hoje, diz ela, que faz uma comparação com a polícia de Minneapolis, nos Estados Unidos, onde a morte de George Floyd por um agente provocou comoção internacional.

"[No site da polícia de Minneapolis] você vai encontrar o detalhamento dos níveis de força autorizados e os procedimentos a se adotar diante do emprego de força. Você tem uma doutrina do uso da força, potencial e concreta."

Sem essas estruturas claras de controle, no entanto, há uma "autonomização predatória, e a polícia se transforma em autarquia sem tutela, que é o nome correto de milícia."

Essa é a maneira de evitar desastres e vexames, como ela classifica a operação no Jacarezinho. É preciso agir para supervisionar o que chama de mandato policial e cobrar a prestação de contas, defende.

"Nós regulamos o mandato policial no Brasil? Não. Todas as democracias controlam o poder de polícia, para que a espada não se emancipe da sociedade e do estado e corte a língua do verbo da política e rasgue a letra da lei. Se seu vigia fica mais forte que você, ele senta na sua cadeira, te dá um golpe e governa no seu lugar. Se ele fica fraco demais, ele se rende ao primeiro grupelho de poder da esquina."

É aí que entra a reforma da corporação. "Em todas as reformas de polícia no cenário ocidental, a grande questão é produzir governabilidade. Isso se dá no Executivo. Nenhum sistema de Justiça é capaz de produzir controle do processo decisório policial."

"No Brasil fizemos com que primeiro se chegasse a polícia, décadas depois, uma lei, e, há 40 anos, os direitos", diz.
Muniz questiona ainda ideias populares entre pesquisadores e militantes de esquerda que defendem que a polícia deve ser desmilitarizada e unificada no Brasil. A professora afirma que a mudança não significa redução dos abusos e da letalidade policial e chama isso de "cloroquina da criminologia", ao defender que essas ideias não são embasadas no conhecimento científico do tema.

"Você não vai reduzir letalidade, vitimização ou corrupção nenhuma se desmilitarizar, remilitarizar, unificar. As polícias continentais da Europa são todas de desenho militar. A polícia de Nova York tem sargento, capitão, tem estrutura de polícia militar. Por acaso sai pregando e matando a rodo, por que tem esse poder?", diz a professora, ao defender que a governança é mais eficaz para minimizar esses problemas.