SP: Secretário de Educação dá queixa na polícia de professora por charges na internet

A professora de geografia da rede municipal de ensino de São Caetano do Sul publicou em suas redes sociais duas charges criticando o retorno das aulas presenciais

Secretário de Educação de São Caetano do Sul, Fabrício Coutinho de Faria - Foto: Divulgação

Uma professora de geografia da rede municipal de ensino de São Caetano do Sul, em São Paulo, foi denunciada criminalmente na polícia pelo secretário de Educação da cidade, Fabrício Coutinho de Faria, por causa de duas charges que ela publicou em suas redes sociais, criticando o retorno das aulas presenciais.

O chefe da pasta da gestão do prefeito interno Anacleto Campanella Júnior (Cidadania) alega ter sido caluniado (atribuição falsa de crime) nas charges. A instauração do inquérito, ao qual a reportagem teve acesso, cita o artigo 138 do Código Penal.

O documento foi instaurado com base em duas publicações de fevereiro nas redes sociais da professora.

Procurado por meio de sua assessoria, Faria disse que está sendo acusado falsamente de crime pela docente e que as publicações ultrapassam o direito de livre expressão. Ele não quis dar entrevista e afirmou que "cabe à Justiça decidir quem tem razão". Isso, entretanto, só irá ocorrer se o inquérito policial em trâmite na 1ª Delegacia de Polícia de São Caetano motivar uma ação.

Segundo a professora Catarina Troiano, 40 anos, ela decidiu publicar as charges após a prefeitura anunciar o retorno dos estudantes às aulas presenciais no dia 11 de fevereiro. Professores retornaram antes, no dia 5 de fevereiro, para atividades de formação preparatórias ao ano letivo.

À época, isso gerou críticas de parte da categoria na cidade, já que o Consórcio Intermunicipal do ABC, colegiado que reúne prefeitos da região, havia decidido que as aulas só seriam retomadas de forma presencial em 1º de março.

"Eu sempre gostei de pintar e desenhar. Peguei as imagens na internet e usei o paintbrush [editor de imagens] e publiquei", afirmou a professora ao Agora. "Às vezes, sou meia ácida, meio irônica, mas isso que estão fazendo é perseguição", disse.

Para o advogado que representa a professora, Horácio Neto, a intenção da docente não foi de difamação, mas sim de criticar a postura da administração municipal. "Se o secretário não conviver com críticas de maneira democrática, significa que estamos vivendo um autoritarismo total. Faz parte do cargo manter interação com a sociedade. Só não existe crítica na ditadura", disse o defensor.

Publicações A primeira charge foi publicada em redes sociais no dia 25 de fevereiro. Para produzir o material, ela usou um print da tela de uma transmissão na internet realizada pelo secretário e pelo prefeito, e fez uma montagem. No alto, colocou o título "São Caetano a favor do coronavírus", e, abaixo, "o vírus é invisível, a estupidez, não". No lugar do primeiro nome do secretário, Fabrício, ela colocou "Fabricídio", e logo abaixo da foto do prefeito, a inscrição "nem prefeito é".

Catarina disse que sua crítica em relação ao prefeito se dá pelo fato de ele não ter sido eleito para o cargo. Anacleto Campanella, então presidente da Câmara Municipal, assumiu no lugar de José Aurichhio Junior (PSDB), que, embora tenha sido eleito em 2020 com 45% dos votos, foi barrado pela Lei da Ficha Limpa após condenação por doação suspeita na eleição de 2016.

"Eu estudo geografia, a ciência, que estuda o mundo em que vivemos. Como eu não vou falar a respeito do que está acontecendo?", questionou a docente.

A segunda charge foi publicada três dias após a primeira, em 28 de fevereiro. Nela, dois personagens que simbolizam a morte conversam entre si e um fala para o outro "Ficou sabendo? Em São Caetano do Sul o Tite e o Fabricídio entraram para nosso setor."

Cópias das duas charges foram anexadas ao pedido de abertura de inquérito policial, que tramita no 1º DP (Delegacia de Polícia) de São Caetano. E, dependendo do resultado, pode originar um processo criminal contra ela. Se condenada, o artigo 138 do Código Penal prevê como pena detenção de seis meses a dois anos, além de multa.

Catarina foi ouvida em depoimento pela polícia no dia 29 de abril. "Eu só havia entrado numa delegacia nos anos 1990 para tirar o meu RG e fui acompanhada da minha mãe ainda. Fui muito bem tratada, mas estou evitando ao máximo sair devido à pandemia. Foi desnecessário", afirmou.

Segundo explicou o advogado que representa a professora, Catarina não foi indiciada. Isso só irá ocorrer se o delegado que preside o inquérito, ao concluir o relatório e indicar a denúncia. O próprio Ministério Público pode requisitar novas diligências, pedir o arquivamento ou oferecer a denúncia.

Repercussão
No dia 3 de maio, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) protocolou um requerimento para que o secretário seja ouvido na Comissão dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania e das Questões Sociais da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

"A professora que está exercendo o seu direito constitucional, garantido no artigo quinto da nossa Constituição, que garante liberdade de expressão. Isso é um absurdo total, um retrocesso. Esse secretário tem que responder por isso e tem que ser exonerado do cargo. Isso é perseguição política e assédio moral. É intimidação e não podemos permitir", disse.

Outro parlamentar que criticou a atitude do secretário foi o deputado federal Ivan Valente (PSOL). Em uma das postagens, ele diz que a professora está sendo alvo de perseguição e termina a publicação citando "cala a boca já morreu!".

Resposta
Por intermédio da assessoria de imprensa da Prefeitura de São Caetano, o secretário Fabrício Coutinho de Faria disse estava se pronunciando publicamente sobre o que considera os ataques que vem sofrendo devido ao procedimento criminal aberto contra a professora Catarina Troiano.

"É inverídica a acusação de que tentei impedir a liberdade de expressão de servidores. Sou uma pessoa democrática, sendo sempre receptivo a críticas", afirmou na nota. "As publicações nas redes sociais da referida professora ultrapassaram seu direito sagrado de liberdade de expressão", disse.

"Todos temos o direito à liberdade de expressão, assim como todos, também, somos responsáveis pelo o que dizemos ou publicamos nas redes sociais. Neste caso específico, cabe à Justiça decidir quem tem razão", conclui.

A assessoria de imprensa do prefeito Anacleto Campanella Júnior afirmou que ele não irá se manifestar.