Alimentos e gasolina mais caros tiram clientes e renda de ambulantes
Apesar de anunciarem pechinchas, esses vendedores não vivem um bom momento
"Ei, chegou o carro do pãozinho doce." "Olha as sardinhas, sardinhas selecionadas." "O carro dos churros chegou." "Ovos diretamente da granja."
O anúncio de produtos fresquinhos pelo alto-falante fixado no teto de algum veículo é marca registrada na periferia de muitas cidades brasileiras.
Apesar de anunciarem pechinchas, esses vendedores não vivem um bom momento. Distanciamento social, medo da Covid-19 e, agora, a alta de preços dos alimentos reduzem o número de clientes e o faturamento.
Quem mora no bairro Vila Ipelândia, em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, provavelmente já viu a Variant amarela do peixeiro Vivaldo de Abreu, 70.
Ao volante do veículo, modelo dos anos 1970, Abreu fez a vida. Já são 32 anos sobrevivendo com o negócio. Desde março de 2020, porém, ele sofre duplamente. Primeiro, por ser do grupo de risco, teme o contágio, mas é obrigado a continuar nas ruas. Segundo, porque circular não tem dado retorno. A clientela sumiu.
"Meu faturamento diminuiu em 95%. Nunca tinha passado por uma crise como essa. Moro com a minha esposa e, atualmente, a nossa única renda é a minha aposentadoria", afirma.
Abreu também atribui a queda nas vendas ao aumento de preço. O peixeiro está vendendo o quilo da sardinha a R$ 25. O valor médio antes da pandemia era R$ 13,50.
"As pessoas reclamam, mas não sabem que estou tendo que pagar mais caro. Além disso, tenho que comprar gelo para preservar o peixe e colocar gasolina no carro para rodar", diz.
O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação oficial do Brasil, teve um repique na pandemia. No período de 12 meses encerrados em abril, dado mais recente, acumula alta de 6,76%. No acumulado até março, havia ficado em 6,10%.
Alguns produtos, como a gasolina, subiram ainda mais. Só entre fevereiro e março deste ano, por exemplo, houve um aumento de 11,23% no preço final do combustível.
Para tentar driblar a crise, o vendedor passou a focar o comércio de peixes de água salgada. "Na região rural de Suzano, as famílias de origem japonesa ainda compram bastante, mas eles preferem sardinhas e anchovas. Por isso só estou vendendo peixes do mar", diz.
Por causa do valor do combustível, não vai mais para muito longe. Deixou de ir vender na cidade vizinha de Mogi das Cruzes.
Aloísio Bento Gomes, 61, tem problema bem parecido com outros produtos –ovos, alimentos em conserva e temperos. Morador do bairro César de Souza, em Mogi das Cruzes,, ele é vendedor de rua há oito anos e perdeu 50% do faturamento na pandemia.
Nem o apoio do genro reforça o negócio. Douglas Gomes, 38, trabalha como operador de máquina e vende ovos com o sogro aos fins de semana.
"Tivemos que renovar e procurar novos fornecedores para ter produtos melhores com preços mais em conta. Conseguimos novos clientes, mas não está fácil", afirma Douglas.
Do outro lado da região metropolitana, quem vê a Fiorino branca com balões coloridos desenhados já sabe: o carro dos churros chegou. Há três anos, Diego Gomes, 31, trabalha vendendo churros pelas ruas de Osasco.
Os churros custam R$ 3 cada um, e é possível escolher entre os sabores de chocolate, doce de leite e morango. Morador do Jardim Santo Antônio, o vendedor conta que, em média, saíam 120 churros por dia. Com a pandemia, esse número caiu pela metade.
"As pessoas passaram a ter medo da doença [Covid-19] e receio de comprar. Mesmo com os cuidados para evitar o contágio, quase ninguém sai de casa", diz.
Além de dirigir de segunda a sexta-feira, por vezes ele faz bicos com mudanças para complementar a renda.
Para não perder clientes, nem o investimento nos ingredientes, chega a vender fiado e, dependendo da situação, dá desconto, oferecendo churros por R$ 2.
"Tudo ficou mais caro, mas eu não podia aumentar o preço. As pessoas já estavam passando por dificuldade para comprar a própria comida. Eu não poderia aumentar mesmo com a dificuldade de vender e comprando ingredientes mais caros", conta.
Apesar de o mercado de ambulantes viver uma baixa, a concorrência aumentou. A pandemia levou novos comerciantes para esse mercado de porta em porta.
Com o bagageiro repleto de cartelas de ovos, Paulo Henrique, 26, circula pelos bairros da região dos Pimentas, em Guarulhos, há um ano.
"Trinta ovos extra branco por apenas R$ 12. Eu falei 30, 30 ovos", anuncia.
Antes da pandemia, Paulo tinha um emprego regular, que perdeu durante a crise. Com a ajuda das primeiras parcelas do auxílio emergencial de R$ 600, iniciou o comércio ambulante.
"Foi assim que comecei a vender ovo e sigo até hoje. No momento só tenho feito isso mesmo, pois não achei outro meio de ter uma renda", diz.
Vender ovos pela rua há cerca de um ano também passou a ser uma atividade regular para Luiz Simão, 60, morador do Jardim Imperador, em Suzano.
"É muito difícil uma pessoa de 60 anos arrumar emprego. Eu era motorista de aplicativo, mas tive a conta cancelada, então comecei a trabalhar como vendedor", diz.
Luiz mora com a esposa e não é aposentado. A renda dele é composta pelo salário da companheira e do comércio de ovos. "Não é muito, mas ajuda bastante. Saio para vender de manhã. À tarde, os clientes podem vir buscar aqui em casa. Apesar dos riscos, é um serviço pouco cansativo", afirma.
Entre as muitas modalidades de vendedores de rua, a pandemia incentivou o delivery de feira. Estudante de geografia, Andrelina Santos, 23, mora no bairro Vila Paraíso, em Guarulhos, e vende mandioca, batata-doce, inhame, milho, coco e diversas espécies de abóbora. Tudo é divulgado pela página Macaxeira, nas redes sociais.
"Sempre trabalhei com o comércio ao ar livre em feiras, mas, para manter meu rendimento, foi necessário fazer entregas e essa nova logística."